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28/06/2024 às 18h08min - Atualizada em 28/06/2024 às 18h08min

Caminhos por onde andei

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

Memórias da Imperatriz antiga

AS FIRULAS DO SINÉSIO - Naqueles idos de 1960, 1970, quando a Av. Dorgival Pinheiro ainda era BR-14, e mais adiante - isto aqui era um território de aventureiros – gente de todos os cantos do Brasil e carcamanos oriundos de todos os lados. Em meio a tantos aventureiros tinha o SINÉSIO. Sinésio era um cara que se metia a advogado e a despachante. Usava um conjunto tipo “blaser”, esverdeado, repetido e surrado. Sinésio, moreno-claro, um tipo cabelos esbranquiçados, tinha olhos esverdeados e dizia-se procedente de Brasília – Distrito Federal.

Falante, Sinésio tinha uma assinatura com “três pingos triangulares”, ao final. Assinatura que executava com absoluta agilidade e semelhança. Inteligível e falante em cima dos effes e erres, Sinésio tinha sempre uma resposta inteligente e professoral, tal a cadência, o compasso, a segurança e as atitudes professorais ensaiadas e estilizadas com que se comportava. Sinésio tinha um fusca azul, meio-surrado, com o qual  ensarilhava pela cidade diariamente, cujo fusca lhe dava um certo suporte do advogado e despachante com que se apresentava. E não perdia a pose!

Naquela época por aqui tínhamos a BOATE DO CACAU, que ficava à marginal direita da BR-010, justo ali nas imediações dos “bueiros” que submersos, davam passagem ao riacho homônimo, que atravessa a Rodovia. A Boate do  Cacau era um retrato do “garimpo” que era esta cidade. Música ao vivo, dança, mulherada, macharada, bebidas.  E o famoso “caldo de ovos, do Cacau”. Lá  era uma síntese de toda a “cabarezada” da Imperatriz. Fossem as mulheres das boates e das “casas de programa”, era tudo  nas noites de fim de semana por lá. Mas não se pense que o CACAU  era uma baderna, uma esculhambação. Negativo! Pelo contrário, lá era o que havia de “organizado e decente e comportado”, no gênero. O dinheiro escorria, a gente percebia.

O CACAU  era um ponto batido do Sinésio. Lá com o seu fusca estacionado e seu “blazer” esverdeado e surrado, aquele opulento e “estilizado” maestro e cidadão que se apresentava como advogado e despachante, dono de uma ágil assinatura com três pontinhos ao final, exibindo um  suposto poder financeiro, ali,  nos bailes e na dança, Sinésio fazia as suas firulas: jogava a moça para um lado e para outro, qual num tango da Mucuíba, fazia passos e passes, deitava e rolava. Sinésio, esse sim:  Era o cara!

Um dia, porém, a cidade sentiu falta de Sinésio. Ele partiu e nunca mais voltou à Imperosa de tantos aventureiros.

O RESTAURANTE TAPIOCA - O Restaurante Tapioca foi um “point”  da noite e da boa alimentação deste pedaço da América Latina. Na fachada estava escrito com acento: “RESTAURANTE TAPIOCA”. Ficava na Getúlio Vargas, depois da Praça Brasil, ali onde mais ou menos é hoje uma área de acesso privado e estacionamento da CAIXA. Durante o dia era fechado mas... durante a noite suas dezenas de mesas e cadeiras não dava para quem queria. Quando o movimento do Cacau terminava ou pouco antes disso, na disputa,   o TAPIOCA SE ENCHIA.

Pratos como “A  La Carte”,” “frango à passarinho”, “filé à parmegiana”, despertavam a cobiça e a gula dos seus frequentadores, que ali se empanturravam, geralmente acompanhados das mulheres com as quais praticavam a esbórnia no Cacau e depois da “janta”. O Tapioca vivia de vento em popa, tocado pelo “Cuca”, um negão luzidio, corpulento, de  meia tonelada.

Até que um dia... até que um dia... um Delegado de Polícia, aqui recém-chegado, resolveu sacanear e queria comer no Tapioca sem pagar, ele mesmo que mijou ostensivamente na rua,  e nessa zorra, ainda queria comer a mulher do seu escrivão, e aí foi um esgarço total. Meio mundo de confusão. O Delegado que nem teve tempo de esquentar a cadeira por aqui, logo de volta pegou o  “caminho do feio, de onde veio”. E o escrivão continuou feliz da vida ao lado de sua mulher. Só depois... só depois... é que a vaca foi pro brejo...

Ocorreu que por conta do esgarço havido, os sócios do restaurante Tapioca desabalaram-se de Goiânia para cá, pois houvera um verdadeiro “desmonte” no restaurante. Em aqui chegando, e tudo enfezado, logo constataram que em  plena cozinha, ali era criado um porco china, negro e redondo qual o “Cuca”, o seu dono, cujo suíno pela voz do dono, não comia sobras do restaurante mas apenas pratos especialmente feitos para o “deguste” do seu exacerbado apetite.   E não aguentaram o que viram! Um deles pegou um machado e... pááááhhhh! E lá se foi o porco-china com uma só machadada na cabeça, que só gritou: “cuíííííí”...  e expirou. Aí o circo acabou de pegar fogo. E assim acabou-se o Tapioca.

Soltando fumaça por todos os poros, o Cuca murmurava que foi “o bobo da corte e segurou uma cabra para os outros mamarem”. Também se foi o “Cuca”. E em meio a tantos estragos também se foi o “porquinho de estimação” do Cuca,  aquele mimado quadrúpede redondo que só comia do bom e do melhor. E ainda por cima, estarrava-se deitado e sonolento em plena cozinha do Tapioca. Mal dava conta de andar. Mas ainda assim, amado, incensado e adorado pelo Cuca, o seu apaixonado cuidador.

E o Sinésio onde é que entra nessa? Sinésio, um suposto-pretenso advogado de fachada e de coisa nenhuma que freqüentava o Tapioca, foi consultado pelo Cuca para uma demanda trabalhista. Mas, Sinésio, debaixo de tantas orientações professorais, saiu de fininho, deixando o Cuca falando sozinho...

*Viegas interpreta e questiona o social.*
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