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28/01/2023 às 00h00min - Atualizada em 28/01/2023 às 00h00min

Os ricos riem à toa; os trabalhadores choram à toa

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
Estou aqui em Brasília. Caminhei pelo lado rico, muitas vezes riquíssimos, e pelo amplo setor pobre, às vezes pobríssimos, da cidade. A capital federal sofreu algumas mudanças na sua fisionomia arquitetônica e no seu psiquismo. Não na parte onde se concentram os poderes constituídos, apesar dos atos terroristas. Mas noutros pontos, onde se percebe que a especulação imobiliária se faz mais presente. É o capitalismo estendendo os seus tentáculos, numa clara evidência de ser impossível conter o aumento da riqueza dos poderosos investidores. Numa outra parte, a pobreza, que se evidencia na fisionomia do povo mais humilde, que continua sendo enganado por aqueles que se julgam espertos: Ibaneis, Damares e etc., consequência equivocada do voto exercido numa democracia, que, no mundo inteiro, porém especialmente no Brasil, está vivendo um momento crucial de crise existencial. Sobrepõem-se a tudo as mentiras fabricadas e disseminadas pelas redes sociais de comunicação. E atinge, mortalmente, o jornalismo profissional sério, que se lastreia em fatos comprovados, e não em meras e falsas ilusões, que ferem, do mesmo modo, a democracia no que ela tem de mais autêntico: a verdade.

Na apresentação do livro Sete Visões da Crise do Jornalismo Profissional, o jornalista Roberto Feith afirma, citando o jornalista e acadêmico da ABL Merval Pereira, antigo desafeto do presidente Lula, que “lutar pela liberdade de expressão enquanto se combate a desinformação é o complexo desafio destes novos tempos”. E, referindo-se Feith ao episódio norte-americano da invasão do Capitólio, originada de sucessiva e irresponsável disseminação de mentiras proferidas pelo derrotado Donald Trump, faz essa observação factual dos atos que vieram a ser reproduzidos no Brasil, com igual origem. Afirma Roberto Feith: “A percepção de que as mentiras de Trump representavam uma ameaça às instituições foi tragicamente confirmada pela invasão do Capitólio por milhares de seguidores do ex-presidente, empunhando bandeiras e cartazes, quebrando portas e janelas, agredindo policiais e fazendo selfes em cenas inesquecíveis e desconcertantes que demonstraram cabalmente o poder da informação falsa. O drama de Washington repercutiu no planeta. Teve significado particular em países governados por líderes autoritários que habitualmente agridem a imprensa e divulgam suas próprias versões fraudulentas dos fatos.” Entre esses países autoritários, cita o Brasil, no trágico período bolsonariano, em que as mentiras eram o ponto referencial do seu desastroso governo.

Daqui do planalto central, mas longe do Palácio do Planalto, ainda não ocupado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, em face da criminosa quebradeira terrorista, acompanho os acontecimentos mais recentes, entre os quais me chamaram a atenção uma outra quebradeira, a das Americanas, cujos acionistas controladores são os arquimilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, considerados os três homens mais ricos do País e do mundo. O rombo contábil da Americanas, segundo os comentários midiáticos, alcança a assombrosa quantia de 40 bilhões de reais, e tudo, também dizem, decorrente de fraude financeira. Os acionistas controladores se negam peremptoriamente a cobrir esse escandaloso desfalque financeiro, obrigando a Americanas a buscar o socorro da recuperação judicial. Em pedido liminar, a empresa ora deficitária, ainda nos seus primeiros estertores, teve a seu favor a concessão de uma liminar, com as seguintes determinações: “(i) o sobrestamento dos efeitos de toda e qualquer cláusula que imponha vencimento antecipado das dívidas das Requerentes, em razão do ‘fato de relevante’ divulgado em 11.01.2023 e seus desdobramentos; (ii) a suspenção (sic) da exigibilidade de todas as obrigações relativas aos instrumentos financeiros celebrados entre as Requerentes e as instituições relacionadas no anexo 11 da petição inicial, e todas as entidades de seus grupos econômicos e eventuais sucessores/cessionários a qualquer título, que constituem créditos sujeitos a um eventual processo recuperacional, inclusive nas obrigações em que as Requerentes figurem como avalistas; (iii) a suspenção (sic) dos efeitos do inadimplemento, inclusive, para reconhecimento de mora; de qualquer direito de compensação contratual; e de eventual pretensão de liquidação de operação com derivativos; (iv) a suspenção (sic) de qualquer arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição sobre os bens, derivados de demandas judiciais ou extrajudiciais, sem a prévia análise deste Juízo Recuperacional; (v) a preservação de todos os contratos necessários à operação do Grupo Americanas, inclusive linhas de crédito e fornecimento; (vi) a imediata restituição de todo e qualquer valor que os credores eventualmente tiverem compensado, retido e/ou se apropriado, em virtude do fato relevante veiculado ao mercado em 11/01/2023 e seus desdobramentos; (vii) a suspensão de qualquer determinação de registros em cadastros de inadimplentes referentes a créditos sujeitos ao processo de recuperação principal.” Além de outras determinações judiciais.

Os acima citados acionistas controladores, riquíssimos, estão rindo à toa. Em nota pública, afirmam que a chegada a essa situação crítica não é de sua responsabilidade. Enfatizam que desconheciam essa grave situação econômica por que passa a Americanas. Mas, com certeza, com culpa ou sem culpa, receberam os polpudos dividendos. Os empregados da Americanas, em grande número, devem estar vivendo o drama da possibilidade real do desemprego. E o mercado, o que dirão os entendidos? Nada, responderão. É o risco do empreendedor. Neste caso, nem tanto.

Por esses dias, estando na ociosidade dos inativos voluntários, iniciei a leitura de um livro, cujo título é O Futuro do Capitalismo – Enfrentando as Novas Inquietações, de autoria de Paul Collier. E encontrei na página 88, um capítulo denominado Quem Controla a Empresa?. O autor do estudo inicia dizendo que “a resposta é que o poder de controle veio a ficar com as pessoas erradas. O capitalismo tem o nome que tem por que a propriedade da empresa cabe às pessoas que entram com o capital de risco.” Em seguida, adverte que “se uma empresa vai à falência, muitas pessoas sofrem; o risco não recai apenas sobre as pessoas que forneceram o capital e se estende muito além delas. Provavelmente quem mais perde são os trabalhadores que estão há muito tempo na empresa, pois acumularam qualificações e renome que só têm valor naquela empresa”. Outros e muitos outros também perdem: os clientes, os acionistas, os credores. Nesse emaranhado de gravidade, em face da quebra, ou da possibilidade recuperacional, os ricos continuam ricos, rindo à toa, e os trabalhadores choram à toa. É a prevalência da regra da desigualdade.

* Membro da AML e AIL
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