Poeta, há muito queria ter contigo esta pequena conversa. Nos tempos idos, nos encontraríamos num desses gostosos bares, onde pudéssemos ouvir gostosas canções, de preferência algumas de suas belas cantigas que o amigo sabe fazê-las com o seu fervor poético. E aí beberíamos e conversaríamos sem dar a mínima bola para o tempo. Nesses encontros de que te falo, o tempo não existe. Só a vontade de conversar, ouvir e ouvir. De encontrar-se. Mas lembro que certa vez fizemos um desses encontros, não tão intensos, num pequeno sítio do confrade Vito Milesi. E o amigo estava lá, com o seu violão, sua voz, seus poemas e suas canções. Mas agora estou aqui, nesta Ilha do Amor, cercado de águas por todos os lados, além do nefasto vírus. Bem longe, apenas geograficamente, do nosso ainda eterno rio Tocantins. Sálvio, que recentemente nos deixou, indo para o convívio nos céus com Vito Milesi, está fazendo os seus belos discursos e, como um condoreiro, evocando a sua metáfora, que ele tanto gostava de referir-se: as barrancas do Tocantins.
Mas, poeta, tenho comigo dois livros teus, que já não são tão teus, são nossos. Ler essas obras faz com que a gente se sinta mais gente. São poemas de um lirismo encantador, curtos, porém recheados de poesia. De Curandeiras destaco:
Topada
Tropeço no sol
desta manhã
bêbado de estrelas.
Temporal
O que os homens entendem
de horas.
Tem dias que dura
anos
se você demora.
E um pouco do Ofício (de ser poeta):
Ofício
Quis fazer da poesia
minha arte.
A tudo supliquei
conhecimento.
Dos ventos
quis saber da liberdade.
Das tardes
quis saber do esquecimento.
Saí batendo por aí
de porta em porta.
(...)
Em Colhedor de Manhãs, um título poético por si mesmo, há poemas que engrandecem o teu fazer artístico. E, sem esvaziar a tua suprema arte de ser poeta, lembras-me o sentir poético de Cora Coralina, que, em poemas curtos, tinha a força artística de transmitir o lirismo do seu torrão natal: “Pedras sagradas de minha cidade, / nossa íntima comunicação. / Lavada pelas chuvas, / queimadas pelo sol, / bela laje velhíssima e morena. / Eu a desejaria sobre meu túmulo / e no silêncio da morte, / você, uma pedra viva, e eu, / teríamos uma fala / do começo das eras.“ Vês aí a Coralina do Goiás velho, descoberta por esse timoneiro da poesia do Brasil, Carlos Drummond de Andrade. O seu fazer poético tem o cheiro das coisas de Goiás, o de Drummond da sua universal Itabira, e o teu, Zeca, todo o odor e encanto das águas do Tocantins. Que bom te ler.
No poema Rio Abaixo transmites o sabor que sentes e o odor que transpiras ao trafegar pelas águas do Tocantins: “Desço o rio Tocantins / na minha canoa / as águas na proa / me cantam uma cantiga. / Me encham de paz. / Mesmo assim / falo pouco de amor. (...) / O sol buscando repouso / inunda a tarde cores / e no céu se desenha / centenas de ovelhas / Isso me eleva / Mesmo assim / falo pouco de amor. (...)
Meu caro Zeca Tocantins, ao poetar (e estou a dizer o óbvio), não és apenas um versejador, pois não aglomeras palavras ao léu. Tu pões todos os sentimentos na tua receita de fazer poesia e crias um sabor estético que nos obriga a servir-nos dessas tuas iguarias, descompromissadas de quaisquer clausuras de regras, a não ser o compromisso com todos os sentimentos do mundo.