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13/08/2022 às 00h00min - Atualizada em 13/08/2022 às 00h00min

...JÓIA PARA O DIVINO ESPÍRITO SANTO

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

 
Era uma manhã de verão. Eu estava aos dez ou onze anos de idade num caminho estreito de chão que era a nossa vicinal, no Povoado do Laranjal, pouco adiante do decano Norato Barros, meu tio-avô. Ali pertinho de onde hoje se levanta o MEMORIAL DE ANTONIO DE INEZ, meu pai. E quando dou por conta, vejo uma caminhada e, diversas pessoas, que seguiam em conversas miúdas. À frente um rapaz com uma grande bandeira vermelha, em seguida uma jovem com a imagem de uma pomba branca às mãos, a seguir duas caixeiras com suas caixas em silêncio, mais uma senhora de mãos ocupadas e, por último, um senhor montado em um cavalo de cangalha.

Daí a pouco, logo ali, quando dou por mim, pouco antes de irromperem ao terreiro do velho NORATO BARROS, as caixeiras dão início a um canto e... bam-bam, bam-bam-bam-bam-bam – bam-bam, bam-bambam-bam-bam-bam. Era o canto de chegada. Era a abertura de sua função, à casa do velho Norato Barros, na “pedição” de Joias – que são ofertórios materiais à FESTA DO DIVINO.

Ao terreiro do velho Norato Barros e sua mulher D. Margarida, com o cavaleiro na retaguarda, logo a trupe forma uma roda. A Jovem moça, de posse da imagem da pomba branca, estende as mãos à frente, num humilde gesto e ritual de um ofertório ou apresentação da imagem. O rapaz da bandeira, tremula a sua bandeira de forma vibrante, como num ritual. E as caixeiras com suas caixas bam-bam, bam-bam-bam-bam-bam.  O Bandeireiro, um rapaz de seus 20 anos, despertava os olhares da moçada em volta. Logo eu também quisera ser um bandeireiro.

Segue o pancadão das caixeiras. A moça com a imagem da pomba nas mãos como em oferenda. O bandeireiro fazendo firulas e contorções com a sua bandeira e eu ali, dez ou onze anos de idade, só “urubuservando”. Nisso surge uma senhora que integra a trupe e num ritual da função, de posse de uma fita vermelha efetuava um breve laço ao braço de um ou outro circunstante. Indicação de que este estava PRESO. E, então, tornava-se devedor de uma joia para a festa do Divino. E só seria “libertado” mediante o pagamento ou a promessa do pagamento que ele, pelo princípio da fidelidade sertaneja, haveria de cumprir.

Em seguida outras tantas prisões e outros tantos pagamentos ou promessas de pagamento. De vaga lembrança, aquele ou aqueles que se punham de braços cruzados ao tórax, esses então logo eram marcados à prisão. E eu ali, aos dez, onze anos, com medo de vir a preso. Ao final da função/apresentação, a feira estava feita. O anfitrião NORATO BARROS, como não poderia deixar de ser, teria cumprido a sua etapa na doação da joia para a Festa do Divino.

Terminado o ritual, caixeiras, bandeireiro, a moça da pomba, a mulher das prisões, e o homem do cavalo este que era o depositário das doações. Seguem no comboio para cantarem noutras casas ao longo do caminho. Depois seguem com destino à morada da festa para as bandas do São João dos Arouche, onde dias depois se realizará a FESTA DO DIVINO.

Atualmente essas festas e essa cultura caíram em desuso. E já não mais se faz, por ali, Festa do Divino como antigamente, onde rolava os rituais do “levantamento do mastro”, e do “derrubamento do mastro”, nove noites de novenas em café com bolo muita comida, muitos foguetes, muito folguedo, quermesse e, ao final, uma “festa de dança”, quer dizer, um baile com todo o mundo “ensapatado” e vestido em “roupa boa”. Afinal, Festa do Divino era assim: Com todo o mundo, muito bem “aprontado”. Os rapazes então! As moças então”!

Hoje, sessenta e tantos anos depois, eu me lembro daquela manhã, caixeiras em bam-bam-bam, mocinha com a Pomba do Divino em oferenda, a outra prendendo e soltando para receber donativos e o bandeireiro fazendo firulas com sua bandeira vermelha e despertando o interesse da jovem mulherada – quando eu, então. logo quisera ser um BANDEIREIRO. E, de lembranças essas, sessenta e tantos anos depois, vou escrevendo esta para a... PÁGINA DE SAUDADE.
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Texto escrito para o quadro PÁGINA DE SAUDADE que produzo e assino há mais de quinze anos, no Programa CLUBE DA SAUDADE, na Rádio Mirante/AM, na capital. Este há 34 anos no ar, sempre aos domingos, às 08:00 hs., em cadeia com mais de trinta emissoras em todo o Estado.

* Viegas questiona o social.
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