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19/08/2022 às 22h36min - Atualizada em 19/08/2022 às 22h36min

O Coronel e a virgem

Num ano distante, numa cidade do interior do Nordeste

Elson Araújo
 
Todos tinham medo do coronel Francisco Libório da Fonseca naquele distante povoado nordestino. Também, não era para menos. Era dono de quase todas as terras do lugar. Casava, batizava, matava e mandava capar, como fizera com um sujeito que olhou enviesada para sua filha única, que depois mandou estudar na capital.  O coitado, depois de capado, envergonhado, foi embora do lugar com medo de ser morto. O homem era de fato, muito cruel.

A própria figura do coronel impunha medo. O homem era grande e todo peludo.  O rosto quadrado, uma barba que chegava ao peito, e um bigode que fazia voltas. Gostava de botas, sempre ornamentadas com um belo par esporas.  Também não dispensava um revólver 38 canos longo, na cintura. Naquele tempo de um ano qualquer de nosso senhor Jesus Cristo um homem como Libório podia quase tudo. A impunidade era sua companheira.

O coronel detestava ser enganado. Quem pelo menos tentasse passar a perna nele acabava pagando um preço muito alto, às vezes até com a vida.

Pois bem, o coronel Libório já tinha enviuvado três vezes. A primeira mulher morreu de parto, a segunda morreu afogada numa pescaria, num dos açudes da fazenda, e a terceira, morreu de taca. Um dia a coitadinha deixou a comida do homem queimar e se deparou com a ira dele. A pisa foi tão grande que a frágil Maria morreu depois de uma semana.  Nem as canecas de mastruço com leite lhe ajudaram a sarar, morreu toda inchada e vomitando sangue. Para o povo da rua disse que a mulher tinha morrido de congestão.

“Tá na hora de procurar uma nova companheira!”  Disse o coronel ao capataz da fazenda.  “Isso aqui tá sem graça demais sem mulher” completou  Libório.

“Agora, tem de ser selada. Se for mulher mexida, não quero!  E se me enganarem mato ela e a família toda” gritou o coronel.

A notícia logo se espalhou. O Libório ia casar novamente e procurava uma noiva.

Mesmo com a má fama do coronel era mais quem quisesse empurrar uma filha pra casar com o dono de quase tudo ali. Era uma oportunidade para se ajeitar na vida.

A notícia chegou aos ouvidos de Flavinha, a filha do quitandeiro Raimundo Feijão. Tinha 20 anos, morara há dois anos na capital, já conhecia o calor de um homem e acumulava umas boas horas de sexo, mas aos pais ela vendia a ideia de quem ainda era moça.  

Os pais nem de longe desconfiavam dos encontros dela com Antônio, o ajudante de balcão da quitanda, quase falida.

Flavinha planejou tudo. O casamento com o coronel poderia salvar o comércio do pai e ela ainda poderia ter uma boa vida.

A danada pensou em tudo. Sabia que o coronel, dia de Domingo, ia sempre à feira. Não para fazer compras, mas para se exibir e contar lorotas nos botecos.

Flavinha tinha sangue de índio com Europeu. A mistura das etnias fez vir ao mundo uma mulher de fazer qualquer um perder a cabeça, inclusive o coronel.  Os olhos se perdiam num verde esmeralda de encantar até a serpente mais peçonhenta.

Dissimulada, pôs seu vestido mais bonito, se enfeitou toda e inventou de visitar a colega Joana, que morava justamente vizinha ao boteco onde o coronel contava suas vantagens.

Não deu outra! Foi o Libório pôr os olhos na menina pra “carne dele reinar”. Todo aceso, foi logo perguntando para quem se quisesse responder:

“De quem é aquela menina?”

“É a filha do vendeiro” respondeu um  

“Ela é moça? Se for, vai virar minha mulher”

Os homens do boteco indicaram a casa do vendeiro, pai da menina e, lá se foi o coronel.

“Boa tarde” disse, Libório

“Boa”, respondeu o dono da venda.

“Aquela menina é sua?

É, sim senhor!

E ela é mexida?

“Não coronel, de jeito nenhum”

“Então quero casar com ela! Agora, você já conhece minha história. Se vocês tiverem mentindo mato e mando matar todo mundo da casa”

O casamento foi acertado para dali um mês adiante

Flavinha vibrou intimamente, quando o pai disse que ela iria se casar com o Libório, o homem mais rico, e mau do lugar. Só tinha um problema:  não era mais virgem e, por isso precisaria arrumar uma maneira de enganar o maldito, mas rico coronel.

Bastaram dois dedos de prosa com a experiente amiga Joana para a espevitada Flavinha bolar um plano. Se desse errado, ela sabia que ela e a família estariam perdidas. Todo mundo ia morrer.

O casamento foi o acontecimento do ano, no povoado. Casaram no padre e no civil.

Flavinha suspendeu o remédio que tomava às escondidas dos pais para não engravidar do ajudante de balcão com quem se divertia quase todos os dias, depois da meia noite, numa moita, detrás da Igreja.

Calculou tudo. A menstruação veio justamente no dia do casamento. Parte do plano já tinha dado certo. Faltava ainda a outra parte. Estava com muito medo.

Bruto, feito um animal, o coronel Libório nem esperou a festa do casamento acabar e arrastou Flavinha pra sede da fazenda. 

Estava ansioso para tirar mais uma virgindade.

Fora as mulheres com que tinha casado, já havia feito aquilo umas 50 vezes com as filhas dos peões de sua fazenda e, se orgulhava do feito.

Esperta, Flavinha olhou toda lânguida para o coronel e pediu para juntos tomarem uma dose bem aprumada de cachaça.  Disse ela ao marido que daquela forma se sentiria melhor para recebê-lo, afinal, era sua primeira vez.

O coronel bebia, Flavinha fingia que bebia.

No dia seguinte, ao acordar com uma danada de uma dor de cabeça e lembrança zero, Libório tomou um susto:

 “Ai, meu padrinho, padre Cícero, matei a menina. Fiquei viúvo, de novo!”

Na cama, era sangue pra todo lado. Na calcinha, jogada ao lado do travesseiro, na colcha, na ceroula... Era muito sangue.

Flavinha, fingia um sono profundo.  O coronel por alguns instantes pensou o pior, daí, mais atento viu a mulher esboçar um pequeno movimento e, só assim se tranquilizou.

Em silêncio, vestiu a roupa, pôs as botas, o revolver na cintura, o indispensável chapéu, postou-se na frente do espelho, se ajeitou todo, sorriu com o canto da boca, torceu para cima o gigante e esbranquiçado bigode e pensou cheio de gabolice:

“Sou o coronel Libório da Fonseca, comigo ninguém pode, sou eu e o boi não lambe. Boto mesmo é pra quebrar.  Com esta, fechei minha  quinquagésima   primeira virgindade”
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