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05/08/2022 às 22h29min - Atualizada em 05/08/2022 às 22h29min

O DECRETO DE XERXES

Elson Araújo
 
Caso os planos maléficos do primeiro ministro Hamã de eliminar os judeus de todo o território persa tivesse se concretizado, o rei Xerxes poderia ser responsabilizado pelo que seria o primeiro grande genocídio daquele povo, vendido a ele como uma ameaça para a estabilidade do reino?  

A história de como quase, e por decreto, os judeus seriam dizimados dos territórios da antiga Pérsia está no Livro de Ester, um dos livros históricos do Antigo Testamento da Bíblia, provavelmente escrito entre os século IV e I a.C , ou  para alguns teólogos no  final do século V ou século IV.

Ester, também chamada de Hadassa, e que empresta o nome ao livro, era uma judia que por casamento com o imperador Xerxes ou Assuero, tornou-se rainha da Pérsia. Sua importância histórica reside no fato de junto com o primo Mordecai, alto funcionário do governo, ter descoberto, e arriscado a vida, ao denunciar uma trama armada por Hamã, para matar o monarca, fato que contou muito para impedir o genocídio dos judeus que habitavam o território persa naquela época.

Se não fosse a fé e a coragem de Ester, certamente a história contada hoje no livro sagrado seria outra.

- Se eu puder abusar da bondade do rei, a única coisa que quero é que o senhor salve a minha vida e a vida do meu povo-

“Pois eu e meu povo fomos vendidos para sermos escravos, tudo que é nosso será roubado, e nós seremos mortos. Nós e os nossos filhos e filhas seremos escravos e escravas. Até agora, eu não disse nada, mas é uma desgraça que um homem tão mau assim trabalhe no palácio”.  

 A casa para Hamã caiu, depois desta petição de Ester ao rei Xexes.

Comovido, e com a descoberta da verdadeira intenção do seu ministro de confiança vindo à tona, o monarca, que já havia disparado a ordem fruto da trama que tinha sido armada, conseguiu a tempo evitar a desgraça que se abateria, injustificadamente, sobre o povo escolhido.

Genocídio, como se sabe, é o extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso. A história considera, por exemplo, genocídio o que Hitler fez com os judeus na segunda grande guerra mundial quando foram mortos milhões de judeus.

 Eliminar os judeus da Pérsia também foi o desejo de Hamã, que para tal induziu o imperador a assinar o decreto que materializaria aquele sinistro intento.

Como demonstra o texto bíblico a coisa “deu ruim” para o abjeto macedônio Hamã. graças, conforme já ressaltado, a Ester e ao o primo Mordecai, que conseguiram abortar o plano perverso urdido pela segunda maior autoridade do reino. Ocorreu um típico caso de o  “feitiço virar contra o feiticeiro”, já que por determinação de Xerxes, Hamã acabou  enforcado com toda família, no mesmo cadafalso em que pretendia enforcar seu desafeto no palácio, Mordecai.

Como o poder do rei era absoluto, nele se reunindo o ato de acusar, julgar condenar, certamente o Rei Xerxes, caso tivesse configurado a eliminação do povo judeu da época, não seria alcançado pelas leis de seu País uma vez que ele encarnava a própria lei. Talvez se esperaria aí, no máximo, uma vingança divina, ou seu nome, tal qual Hitler, ser inscrito como um dos grandes vilões da humanidade.

A luta do rei Xerxes depois de descobrir a trama para matar os judeus foi desfazer o decreto real que determinava a execução de todos eles nas 127 províncias da Pérsia daquele tempo. Para isso, fez uso do que hoje chamaríamos na administração pública de princípio da auto tutela que é quando o gestor exerce o controle sobre seus próprios atos, com a possibilidade inclusive de anulá-los ou revogá-los.

Ainda no âmbito da administração pública não é difícil identificar no Decreto de Xerxes o exercício dos poderes discricionário, normativo, hierárquico e disciplinar.

Logo no início do decreto a favor dos judeus, que desfazia o que determinava a execução de todos eles, Xerxes faz indiretamente uma espécie  de  mea-culpa:

“Ás vezes, acontece que as autoridades põem em altas posições homens que parecem amigos, e, então, elas também se tornam culpadas, quando esses homens tentam matar pessoas inocentes e causam males que não podem ser desfeitos. Com sua malícia e as suas mentiras, esses amigos se aproveitam da boa fé e das boas intenções das autoridades superiores”

Vale a pena uma, duas, três ou mais a leituras do Decreto de Xerxes inserto no Livro de Ester, lá no Velho Testamento. Uma obra de grande valor literário/histórico/cultural que gira em torno de uma mulher valorosa e de fé.

Na obra, o que me chamou mais atenção foi o Decreto de Xerxes, merecedor de um estudo mais detido. Como é possível perceber, pelo que rendeu a leitura até agora, observa-se ali, preliminarmente, os rudimentos de muito do que hoje é encontrado no Direito, notadamente como já foi explicitado, no Direito Administrativo. Mas ainda é possível encontrar, entre outros, rudimentos da responsabilidade civil objetiva e até mesmo uma filigrana da polêmica teoria do domínio dos fatos, aquela que foi usada para condenar muitos dos envolvidos no escândalo do mensalão, incluindo o ex-presidente Lula.
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