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02/07/2022 às 00h34min - Atualizada em 02/07/2022 às 00h34min

SEDUÇÃO E MORTE

Em algum lugar do passado

Elson Araújo
 
Era a sedução em pessoa. Não tinha culpa de ter vindo ao mundo com uma beleza extrema, a ponto de arrebentar o juízo e encher de fantasias a cabeça de qualquer cristão, fosse homem ou mulher.  

Impossível cruzar com aquela criatura terrena e não se deixar seduzir; fosse pelo olhar, de um negro profundo, fosse pelo simples meneio de cabeça que valorizava ainda mais seu longo, brilhante, bem cuidado, e preto cabelo. A bela sabia como ninguém usar a seu favor aqueles belos traços, forjados pela genética.

Letícia era o belo encarnado.  Mas por trás daquela beleza, e de uma suposta alegria, havia uma mulher misteriosa que gostava de matar.

A beleza, de certa forma, acabava por funcionar como um disfarce. Ninguém imaginaria aquela linda criatura como uma assassina contumaz.

Naturalmente bela, já com seus 26 anos, Letícia com todos os atributos que natureza lhe deu distribuídos em 1,70 metros de altura, não fazia muito esforço para seduzir e eliminar suas vítimas. Todas do sexo masculino. Odiava os homens.

O sofrimento vivido na infância e na adolescência lhe transformou numa espécie de vingadora.

Acompanhava os programas de rádio e TV e lia jornais para identificar casos envolvendo homens que estupravam e espancavam mulheres, e que, por um ou outro motivo, ficavam impunes. Assim, dessa maneira, com o passar do tempo, começou a selecionar suas vítimas.

Escolhida a vítima, começava a frequentar os bares, botecos, puteiros, bancas de jogos de azar, a que ela costumava ir. Já tinha feito aquilo inúmeras vezes. Para Letícia, era muito fácil, seduzir e matar as vítimas.

Era sempre assim: após cada crime ela era remetida ao tempo de adolescente, quando matou pela primeira vez. Corria ao banheiro mais próximo, vomitava e logo em seguida caia em prantos, para em seguida sair como se nada tivesse acontecido.

Letícia não conheceu a mãe, que morreu no dia em que nasceu. Foi criada pela madrasta, Olinda. O pai, um irresponsável, vivia às custas da mulher a quem tinha o hábito de espancar sempre que chegava bêbado, ou seja, todos os dias. A menina assistia tudo, impotente, chorando e sem poder fazer nada.

Um dia, quando tinha 15 anos, a garota tentou defender a mãe e levou a maior pisa da sua imberbe vida. A coitada foi parar no hospital. Mesmo assim, com medo, a mãe preferiu não denunciar o machão para as autoridades.

Letícia acabou entrando para a rotina de espancamento do pai. Era só ele se embriagar, para chegar em casa arrebentando tudo, batendo em todo mundo.

Cansou daquela vida! Ou ela mesma tomava uma providência, ou acabariam, ela e a mãe, mortas. Saiu do hospital com um propósito:  Ia matar a desgraça do pai, e já sabia como.

O plano era se insinuar para o pai, que há muito já vinha olhando pra ela de maneira diferente, e que por duas vezes tentara abusar sexualmente dela. Não seria difícil matá-lo, pensou Letícia.

O plano era perfeito. Só precisaria, naquela segunda-feira, dia de folga do trabalho   da madrasta, tira-la de casa.  E assim fez: a convenceu a visitar uma comadre que não via há meses e que morava num município vizinho. Só voltaria no dia seguinte.

Letícia já sabia do horário que o pai costumava chegar em casa. Ficou de calcinha e uma blusinha transparente, tipo aquelas de alça que deixam os seios quase à mostra, e se postou na frente da TV aguardando o “pudim de cachaça” chegar. Aos 15 anos era uma mulher formada de tamanho e corpo, e naturalmente sedutora.  

Foi o pai entrar em casa bater os olhos na filha, deitada languidamente no sofá, para a carne dele reinar.

-Hoje tu não me escapas, diaba dos infernos. E não adianta gritar. Ninguém vai te escutar pra vir te socorrer.  Não, desta vez!  Eu não plantei roça para outro colher. Essa roça é minha- vociferou o elemento, com a voz pastosa pelo efeito do álcool

Letícia estava assustada e nervosa. Poderia deixar tudo ali, fugir e deixar de lado o plano, mas pensou no sofrimento da mãe; naquela pisa que a levou a passar quatro dias no hospital e o que poderia acontecer, lá na frente, se não tomasse uma providência.

Era ali, naquela circunstância, ou nunca.  E já sabia o que ia fazer.

Diferente das outras vezes Letícia não correu, não gritou. Procurou esquecer o medo, e o terror que lhe acometia e esperou o próximo passo do safado. Naquele instante localizou mentalmente onde havia escondido o instrumento que usaria para acabar com aquele, que embora fosse seu pai, considerava um monstro.

Cambaleando, já sem camisa, com um bafo de matar elefante, e com uma catinga de quem não tomava banho havia uma semana, o pai partiu com voracidade para cima da filha que ficou ali inerte enquanto era beijada, ou melhor babada, no ouvido e no pescoço.

Por um instante, diante do peso daquele homem sobre seu corpo adolescente, Letícia deu vontade de vomitar. Se controlou; engoliu um amargo início de vômito, misturado com as lágrimas que se esforçava para sufocar, mas aguentou firme. Faltava muito pouco pra tudo aquilo acabar.

Ao sentir o pai tocar violentamente na sua vagina, e com a outra mão apertar fortemente seus imberbes seios, Letícia sentiu uma dor lancinante. Naquele instante começou a executar a parte final do plano. Fingiu naquele instante gostar de tudo aquilo.

- Eu sabia. Tu és tão cachorra quanto tua madrasta. Hoje tu vais experimentar pela primeira vez um homem- Gritava o bafo de onça no ouvido da filha.

- Espera só um pouquinho tigrão vou te mostrar que não sou mais uma garotinha- disse Letícia, ao assinalar que queria ficar por cima do pai que, confiante, permitiu rapidamente.

- Preciso, ser rápida senão estarei perdida- pensou a ninfa.

- Feche os olhos tigrão você não sabe o que te espera- O pai obedeceu sem trastejar.

Ali, naquele momento, enquanto enojada Letícia beijava o peito cabeludo e fedorento do pai, pegou o prego de dez centímetros guardado debaixo de uma almofada e, ao mesmo tempo em que levemente acariciava a orelha esquerda do homem, numa rapidez inimaginável naquela circunstância, enfiou, com um único golpe, o instrumento no ouvido direito dele e se levantou rapidamente.

O homem também se levantou gritando

- Maldita, desgraçada, vagabunda! O que você fez comigo?

Cambaleando, com mão tentando arrancar o prego do ouvido, o homem tentou partir pra cima de Letícia, que correu e se trancou no banheiro.

Daquele aposento quente e abafado ouviu por alguns instantes, gritos, palavrões e objetos caindo, até tudo silenciar por completo.  Pôs as mãos nos ouvidos, sentou num canto do banheiro, abraçou os joelhos e como um filme reviveu os incontáveis momentos em que junto com a mãe foi espancada e humilhada por aquele homem que dizia ser seu pai.  Letícia chorou.  Já passava das três horas da madrugada.

Abriu cuidadosamente a porta do banheiro e se deparou com aquela criatura sem vida caída no centro da sala. Naquele instante começou a vomitar. Pôs pra fora tudo que tinha comido horas antes.

A atilada menina sabia que não adiantaria inventar nada para escapar daquela situação. Ficou ali a aguardar o dia amanhecer. Tinha consciência de que se livrou de um problema, mas arranjara outro. Pelo menos tinha deixado a madrasta de fora. Ia assumir tudo sozinha. Nenhuma das duas ia mais apanhar.

Letícia passou três anos internada, por sentença judicial , numa instituição para menores de onde saiu mais do que revoltada. O que o padrasto não conseguiu naquela noite sinistra, o diretor da instituição conseguiu. A garota perdeu a virgindade um mês depois da internação da maneira mais perversa possível.

O diretor quis dividir a responsabilidade daquele estupro com os outros cinco companheiros que naquele dia, à noite, estavam de plantão. Foi ameaçada. Se contasse para alguém seria morta, quanto a isso, fora advertida diversas vezes por seus algozes.

Letícia passou o período de internação planejando a vingança contra cada um de seus violadores.

O primeiro passo foi fingir, apesar do intenso sofrimento, indiferença ao que tinha lhe acontecido ali naquele centro de internação para menores infratores e ainda fingir, bom humor, alegria.- Todos eles vão me pagar, e caro. Jurou a menina, que já sabia como.
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