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22/01/2022 às 00h00min - Atualizada em 22/01/2022 às 00h00min

O hoje do ontem

A guerra permanente entre a mídia e o poder político.

Elson Araújo
 
Impressos chamados de “incendiários” ou anarchistas inflamavam o espirito da população: pediam a cabeça dos amigos do rei, incentivam a revolta ou chamavam D. Pedro ( I ) de traidor. (Mary Del Priore, em A Carne e o sangue)

Pegue qualquer fato político da história do Brasil. Leia os relatos dos historiadores. Depois, apague os nomes dos protagonistas e coadjuvantes. Transporte o texto, ou o relato, para os tempos atuais e a constatação surge cristalina diante dos nossos sentidos: a história é uma repetição de fatos- Só mudam os personagens, e as consequências de seus atos, que são atualizadas.

Entre o Brasil colônia e hoje, escolha qualquer época. Leia o apanhado dos historiadores e pesquise os jornais daquele tempo. Fiz isso.  Uma rápida viagem pelo período colonial, pelo “parto difícil que foi o da independência, a vigência do Império, pelo início da república, a era Vargas, a ditadura militar; chegando até agora. É impressionante! Como diria minha saudosa mãezinha Teresa, substituindo os personagens, é o mesmo “Mané Luíz”

Nunca perguntei à minha mãe o “porquê do Mané Luiz”, mas é possível intuir que a expressão significa “trocar seis por meia dúzia” ou seja, trocar pela   mesma coisa.

De fato, Bonifácio caiu por querer enfrentar os grandes proprietários contrários à extinção da escravidão, à divisão da propriedade e à rotina predatória da monocultura ( Mary Del Priore, em A Carne e o sangue)

Sigamos com nosso raciocínio. As intrigas palacianas, o toma lá dá- cá, as traições, o jogo de interesse, a briga pelo poder, e o eterno conflito entre o Executivo estabelecido e a mídia, sempre foram uma realidade presente, mesmo nos chamados anos de chumbo, quando imperava a censura aos meios de comunicação.  O famoso Pasquim, que o diga.

Houve um tempo no País em que os jornalistas para fazer qualquer crítica política tinham que publicar seus editoriais a partir da Europa. As publicações demoravam chegar, mas chegavam.

As narrativas históricas comprovam que essa relação, “mídia e poder”, nunca foi harmoniosa. São incontáveis os relatos de vias de fato (atos agressivos de provocação praticados contra alguém) perseguições a jornalistas, pontuadas por ameaças, e assassinatos. Além disso, há o registro do fechamento forçado de inúmeros jornais.

Quem leu Chatô, o Rei do Brasil, biografia do fundador dos “Diários associados”, a maior rede de comunicação do país, entre as décadas de 30 e 60, o controvertido Francisco de Assis Chateaubriand  Bandeira de Mello, mais conhecido como Assis Chateaubriand ou Chatô, percebe isso claramente.

Chatô, segundo seu biografo Fernando Morais, antes de se tornar, mais tarde, aliado de Vargas, teve de passar um bom tempo em fuga e escondido para não morrer.  Havia uma predisposição do governo pela sua eliminação. O “Macaco Elétrico”, pseudônimo daquele que foi um dos maiores magnatas da imprensa brasileira, era implacável contra os adversários e não poupava o presidente/ditador.

Há mais um recorte do tempo de Vargas que denota o clima de beligerância histórica, entre a mídia e o poder. O episódio, nos idos de 1946, envolve o fundador do Sistema Globo Roberto Marinho e Benjamin Vargas, irmão do então, já deposto, presidente.
Bejo, Vargas, como era mais conhecido, tinha sido uma espécie de iminência parda do governo do irmão, e na época ainda detinha um certo poder político e econômico.   

A história, contada em detalhes no terceiro volume da biografia de Getúlio Vargas, escrita pelo jornalista e escritor cearense Lira Neto, revela que Bejo, derrubou Marinho com um tapa na cara por causa de uma “meia verdade” publicada no JORNAL O GLOBO. Na época ainda não tinha sido inaugurada a TV no Brasil, inauguração que só veio acontecer em 18 de setembro de 1950.

A confusão entre os dois homens quase termina em tragédia. Irado, o irmão do ex-presidente após esbofetear o dono de O Globo, aos gritos de canalha, ainda sacou um revólver, mas acabou contido.

A vias de fato aconteceu, conforme Lira Neto, no Quitandinha, restaurante chic , em Petrópolis (RJ) e  testemunhado por vários comensais. Como já mencionado, havia um motivo. Não foi à toa. Um prédio havia desabado no Centro do Rio de Janeiro e o jornal abriu manchete dizendo ser Bejo Vargas, dono do prédio e responsável pelo desastre, que teria matado 26 pessoas.

De fato, o prédio desabou, mas o irmão do presidente não era o dono nem o responsável pela obra. A vingança de Marinho por causa do bofete veio depois, com inúmera matéria investigativas sobre as operações escusas de Bejo e sua família.

Depois dessa confusão houve, anos depois, mais um episódio decorrente da tumultuada relação da mídia com o poder executivo nacional. O famoso atentado da rua Tonelero em Copacabana (RJ), na madrugada do dia Cinco de Agosto de 1945, que teve como alvo o jornalista Carlos Lacerda, feroz adversário do governo, que batia em Vargas (de volta à presidência) dia e noite. Noite e dia “o pau comia”.

O crime de mando foi atribuído a Gregório Fortunato, o “Anjo Negro”, chefe da guarda pessoal e homem de confiança do presidente. Lacerda escapou fedendo, mas a lambança custou a vida do major-aviador Rubens Florentino Vaz e ferimentos no guarda municipal Sálvio Romero.

O atentado contra o jornalista teve sua importância histórico/política por ter sido o ponto de partida para o declínio político, e o fim físico de Getúlio, que dezenove dias depois se suicidou. Saiu da vida, para entrar na história, conforme deixou escrito na sua famosa “carta testamento”.

Para encurtar nossa conversa deste sábado, 22 de janeiro de 2022, o tempo voou, mas o conflito do poder político com a mídia tem se perpetuado. Como é possível checar, os livros de história e os jornais de época estão cheios do registro de movimentos políticos potencializados pela imprensa que desagradaram os políticos no poder.  

Um exercício de memória aqui, uma pesquisinha acolá, e logo a gente vai se deparar com o “abaixo o império, o viva a república”, “abaixo a ditadura”, “fora Sarney”, “fora Collor” “fora Itamar”, fora FHC, “fora Lula” fora Dilma” e o “fora Temer.  O fora Bolsonaro, que vez por outra já se escuta, e é dimensionado pela mídia, portanto, não é uma exclusividade destes tempos, mas uma repetição da história.

E ao encerrar, agora de verdade a crônica de hoje, não custa nada diante de tudo isso, e ainda com toda essa overdose de informações diárias de origem conhecida e desconhecida, a nós, destinatários e depositários destas, adotarmos uma postura permanente de criticidade para saber filtrar as verdades postas, e impostas diariamente no cardápio do noticiário nacional, e assim evitar que nos tornemos mera massa de manobra.
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