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15/05/2021 às 00h00min - Atualizada em 15/05/2021 às 00h00min

“MÃE NONATA”

Série: Personagens-III - vida real

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

 
Naqueles rincões, a gente contava nos dedos as festas que por ali ocorriam durante o ano. As festas dos santos eram tradicionais: Festa da Conceição, Festa de São Sebastião, festa de Santa Luzia. Afora isso, mais umas três ou quatro festas de dança, que ali se chamava BAILE. Melhor ainda se o tocador fosse ZÉ DO BULE, com o seu violino, enchia de gente! Hoje, três quartos de século depois, eu avalio que essas festas serviam como janela ou vitrine e eram um bom pretexto para que um rapaz “arrumasse” uma namorada ou... a moça encontrasse um namorado. De resto, o quotidiano, era o caminho da roça, o eito da capina o serviço da coivara.

Rapazes e moças e marmanjos poderiam até passar uma banda do ano sem calçar jamais um par de sapatos mas... na festa (na festa), era tudo “ensapatado”, roupa boa e até mesmo supostamente endinheirado. Dinheiro para pagar a porta-do-baile, dinheiro para pagar um mercado de cravinho, um mercado de loção. Dinheiro para pagar um guaraná e até mesmo para comprar um “coração”, um doce que era a joia da coroa de uma maleta de iguarias e que costumava ser exposta à venda, nas festas.

Os caminhos de festa eram distantes: três,  cinco, seis, oito dez quilômetros. E essa viagem se fazia a pé, em grande maior parte das pessoas. Muitos que saíam de casa, ainda cedo da tarde para estarem na festa lá pelas sete da noite. Outros iam montados a cavalo. E só mais tarde raros e ocasionais caminhões apareceram. As moças ou iam com os seus irmãos, pai até ou em companhia de vizinhos. Com o tempo porém, essa situação mudou: E foi aí nesse “SOCIAL” que entrou a figura de MÃE NONATA, como “dama de companhia” ou “dama de companha” como ali se chamava. Mãe Nonata ali era mãe de todo o mundo.

Foi então que o SOCIAL – a partir das moças, descobriu-se que, sendo MÃE NONATA uma festeira de todas as festas, não perdia uma, até que poderia ser uma boa “dama de companha” para aquele mulheril sedento de encontrar a outra banda da sua laranja. Sim, porque ninguém é de ferro! E então, a cada festa, Mãe Nonata conduzia um batalhão de mulheres sob sua responsabilidade. Como se fosse um férreo cinto de castidade. Nadinha! E então era Mãe Nonata pra cá, Mãe Nonata pra lá, tudo só na “fiuza” quer dizer: no faz de conta, na saída.
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Mãe Nonata era uma legítima afrodescendente, envelhecida, sessenta e tantos anos, meio envergada, pequena estatura, voz nasal. Festeira toda! Mãe Nonata uma verdadeira “lamparina de festa” estava em todas, fosse onde fosse. Não que ela estivesse pelo meio da festa. Não. Mas ela estava sempre a caminho da festa e até mesmo na festa. Chegava ao local, agasalhava-se a um ponto afastadiço à beira do terreiro, puxava o seu indefectível cachimbo, pegava sua também indefectível pequena toalhazinha punha-a sobre a cabeça para protegê-la do sereno e disparava cachimbadas sobre cacimbadas do seu surrado cachimbo, do qual não se afastava.

Em princípio, na noite, suas pupilas e protegidas, rondavam-lhe por perto, mas isso só enquanto o forró não começava no barracão, ali mais adiante. A esse ponto quase todas elas já estavam fichadas com os seus namorados -  enrustidos ou assumidos e, dali em diante desenvolvia-se um “JOGO DE CARTAS MARCADAS”. Iam para o salão, ou para as beiradas, dançavam, esfregavam-se, amarrotavam-se. depois rondavam Mãe Nonata, davam um tempo e voltavam assim “auto desconfiadas”. E rondavam Mãe Nonata, como se estivessem a lhe dispensar atenção, disciplina e submissão, cumprindo um pacto surdo-mudo que fizeram ao sair de casa “que era estar sempre às voltas de mãe Nonata”, por conta da “segurança” e da “castidade” que a regra de papai e mamãe se lhes impunha. Até porque uma coisa era SER MOÇA (honrada e respeitada) e a outra era estar em CAPA DE MOÇA (desonrada e mal falada).

O namorado que era um roceiro esperto e tudo na cumplicidade, vinha e dedicava a Mãe Nonata um bolo, um mimo, um doce, um suspiro, um “coração”. E mãe Nonata traída pela gula e pelo mal costume de voltar carregada com as quinquilharias das festas (comidas e guloseimas) para os seus que os deixara em casa, eis que ali estabelecia-se uma enseada da CORRUPÇÃO. Mãe Nonata, que Deus a tenha, era uma central de corrupção, ao receber mimos e agrados que acabavam por contribuir e facilitar a astúcia daqueles desenfreados noite a dentro, nas beiradas das festas, no soturno ou mato a dentro.

No dia seguinte, seis da manhã, as moças estavam amarrotadas, o batom se foi, a roupa limpa também se foi, e parte delas e ou quase todas elas e seus namorados, aproveitaram-se das palhas ao chão, da casa de farinha ou do capoeirão ou até mesmo das encostas das mangueiras, no escuro. E lá se vai todo o mundo ao comando de Mãe Nonata uma mais que sexagenária que a vida lhe tornou uma infalível “dama de companha”. Deixa uma aqui, deixa outra acolá. E segue caminho. E faz de conta que estavam todas sob as rédeas da velha dama de companha. Nadinha!
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