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26/04/2024 às 18h51min - Atualizada em 26/04/2024 às 18h51min

Crônica da Cidade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

Os fatos e as notícias, no mundo em que vivemos

Inicio evocando a poeta Cecília Meireles, e não a poetisa, pois é ela mesma quem se autoafirma na primeira estrofe do poema Motivo: “Eu canto porque o instante existe / e a minha vida está completa. / Não sou alegre nem sou triste: / sou poeta.” Antes de tudo, é preciso cantar. Os fatos e as notícias cantam, nem sempre poeticamente. Mas nos falam das coisas que acontecem aqui e ao redor do mundo, ora nos deixando alegres ou tristes, já que a nossa vida ainda não está completa, embora sejamos, na vida, em que pesem as atribulações ou as alegrias momentâneas, um tanto poetas, ou, pelo menos, espargindo no mundo um crepúsculo de poesia. Ferreira Gullar é um dos poetas que, em Traduzir-se, consegue expor a si e ao mundo com toda força da sua poeticidade. E o faz como se estivesse a pintar um quadro íntimo de si mesmo: “Uma parte de mim / é todo mundo: / outra parte é ninguém: / fundo sem fundo. / Uma parte de mim /é multidão: / outra parte estranheza /e solidão. / Uma parte de mim / pesa, pondera:/ outra parte / delira. / Uma parte de mim / almoça e janta: / outra parte / se espanta. / Uma parte de mim / é permanente: / outra parte /se sabe de repente. / Uma parte de mim / é só vertigem: / outra parte, / linguagem. / Traduzir uma parte / na outra parte / — que é uma questão / de vida ou morte — será arte?”

Vamos, vamos sair por aí e dar uma volta pelo mundo. Os fatos e as notícias nos traduzem o momento em que estamos a viver, ou a morrer. Selecionei, sem estabelecer qualquer critério de relevância, alguns fatos que me chegaram ao conhecimento através das notícias. São alguns. Não há sequência valorativa.

Vamos então. Divulgaram, com certo destaque, que as despesas militares mundiais atingiram o recorde de U$$ 2,433 trilhões de dólares. Esse valor astronômico daria para levar a paz material e espiritual para inúmeros lugares desse nosso sofrido mundo, onde a fome e outras carências matam diariamente, sobretudo crianças. Mas, vejamos: a incongruência em gastar trilhões de dólares para praticar um ato de amor a esses povos sofridos e condenados ao extermínio, sem proveito econômico, é que o capitalista destrutivo, dono do mundo, jamais faria uma besteira dessa magnitude. Felizmente, aqui, em nossa pátria amada, tramita pelo Senado Federal um projeto de lei, que cria a Política Nacional do Livro e Regulação de Preços, tendo recebido a denominação de Lei Cortez, em homenagem ao livreiro José Xavier Cortez. Esse projeto, que adota uma política de venda de livros em valores bem mais reduzidos, segue o teor de leis que há mais de 40 anos existem em países como França e Espanha. Segundo consta nas notícias de jornais, o texto foi atualizado com base em audiência pública, após ter sido aprovado pela CCJ. Seguirá diretamente para Câmara, onde dependerá do presidente, o deputado Arthur Lira, que poderá levá-lo a plenário sem necessidade de passar por comissões. Esse projeto – muito importante para educação e cultura do nosso País – desafia a participação das instituições educacionais e culturais no seu efetivo acompanhamento. E, aprovado, se constituirá numa tábua de salvação do nosso combalido livro.

Num outro lado do mundo, mas estando a fustigar o nosso quieto mundo daqui, circula a notícia de que o arrogante Trump, aquele mesmo que presidiu a república norte-americana e tentou o golpe, está a responder a uma ação judicial, por ter subornado uma atriz pornô, além de outras práticas delituosas. Se condenado, pode ser decretada a sua prisão. Tenho atrozes dúvidas. Mas vinha acompanhando esses fatos nada alentadores eticamente, e que consistem numa acusação de suborno, cujo réu é essa figura fascista, que está novamente a disputar a presidência. Pior: não se constata qualquer sentimento de repulsa a esse ser ignóbil que atacou o sistema eleitoral e quer se beneficiar do mesmo sistema, tendo sobre si gravíssima acusação, cujo processo tramita na justiça dos Estados Unidos. Se eleito, o que fará esse arrogante, que desfila perante as câmaras de TV como se fosse dono do mundo?

No curso de todos esses fatos e notícias, tenho conhecimento que foram encontrados 180 corpos em cova comum no hospital de Khan Yunis, na Faixa de Gaza. Pergunta-se: quem matou essas pessoas, ora transformadas tristemente em corpos? A resposta padece de uma obviedade. Ainda assim, mantenho a pergunta: quem as matou? Os próprios palestinos ou a ira assassina do Estado de Israel? A resposta, com certeza, seria dada imediatamente, sem pestanejar, se a indagação fosse feita no renomado e idiota programa BBB, cuja finalidade é premiar o ou a participante menos besta do festival de besteiras que assola a nossas TVs. Mas… deixa pra lá. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Confundem-se na estupidez dos seres que se autodenominam humanos.

Por aqui, neste nosso mundo de colonizados, a América dos golpes, conforme sustenta o colonizador Musk, a ANVISA, em defesa da saúde dos brasileiros e brasileiras, decidiu manter proibição do uso do cigarro eletrônico. A meu ver, uma das consequências dessa vedação para que as pessoas, adeptas desse vício, não venham a contrair câncer com mais facilidade: as quadrilhas de traficantes se manterão ativas, porque infelizmente o problema está no usuário, que entende que tem liberdade de fazer o que lhe dá na telha. A controvérsia não se dilui apenas com a proibição. Não é tão fácil assim. Deve haver um projeto educacional, envolvendo as famílias, as escolas, enfim todos os segmentos sociais. De outro modo, nada feito.

Já estamos a conviver com uma nova tecnologia, criada por uma empresa alemã, que vai possibilitar aos motoristas – como eles dizem - acabar com a “máfia das multas” de trânsito, O aparelhinho vai tornar imune das multas os infratores da lei de trânsito. Trata-se do detector de radar titan. Pequeno e discreto dispositivo que pode ser usado em qualquer carro e funciona conectado diretamente no acendedor. Dotado de tecnologia a laser, escaneia ativamente o ambiente em busca de radares fixos e móveis, e emite um alerta sonoro a uma distância segura. Afirmam os entendidos que não há necessidade de instalação, atualizações ou conexão com internet. E mais: que o tal antirradar dá mais segurança e tranquilidade ao motorista que anda por vias desconhecidas. Com esse poder técnico de burlar os radares, a lei de trânsito que se lixe. E nós também, pois, se a moda pega, a nossa bendita vida será a primeira vítima desse transgressor e fatal aparelhinho, que dá tranquilidade e segurança ao motorista infrator e insegurança a todos nós. Depois dessa, só resta recorrer à doçura lírica desses versos de Gonzaguinha: “Viver e não ter a vergonha / De ser feliz / Cantar, e cantar, e cantar / A beleza de ser um eterno aprendiz / Ah, meu Deus / Eu sei, eu sei / Que a vida devia ser bem melhor / E será!” Como recurso estilístico, em vez da exclamação final, faço o uso da interrogação: E será? Estamos nas mãos de alguns idiotas da objetividade. E, se quisermos transformar o mundo, para vivermos em paz, livremo-nos deles. De outro modo, fica a interrogação: E será?

 
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