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12/04/2024 às 10h41min - Atualizada em 12/04/2024 às 14h00min

Crônica da Cidade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

Há uma nuvem obscura a nos espreitar

Encontro-me na quietude do vigésimo andar, com algumas revistas e jornais espalhados pela mesa. Lanço o olhar para fora e vejo que o tempo está carregado. O sol escondido nas nuvens a prenunciarem a queda de uma boa e agradável chuva. Esta é São Paulo, Ora calor, ora um friozinho, que o nordestino, como este empedernido maranhense, o suporta agradecendo a Deus por essas mutações climáticas. Como disse, sobre a mesa jornais e revistas. Ainda teimo em os ler. Servem, e muito, a considerar a seriedade das publicações, para trazer-me alguns meditados conhecimentos. Assim o foi desde os primórdios, quando fora leitor compulsivo de revistas em quadrinhos: Mandrake, Cavaleiro Negro, Zorro e Tonto, Robin Hood, Tarzan, Billy the Kid, Roy Rogers, Batman, o Cavaleiro das Trevas, e tantas outras. Na vesperal do cine Rialto, da rua do Passeio, antes de entrarmos, havia a obrigatória sessão de troca de revistas, e aí se incluíam os almanaques. Lia-se com uma sofreguidão, até porque não havia livrarias, propriamente ditas. O recurso era ir à Biblioteca Pública, na Deodoro, onde aproveitávamos para fazer pesquisa e rápidas leituras sobre alguns temas que os professores ou professoras indicavam, com a finalidade de elaborar algum trabalho dissertativo. Vem-me à lembrança o Cônego José de Ribamar Carvalho, que, no curso clássico do Liceu, deu-nos aula de Filosofia, e da professora Conceição, chamada carinhosamente de Babá, que ministrava aulas de Sociologia. São Lembranças, mas não passado.
 
Só o tempo passou. Sempre passa. Mas está presente. Costumo dizer que não há passado. O passado é o presente que nos acompanha a alertar-nos de todas as lições que aprendemos no caminhar da vida. Além do mais, o passado não é o velho; é apenas o novo renovado. Há uma crônica do poetinha Vinícius de Moraes, A Casa Materna, na qual, ao iniciá-la, se refere ao tempo, com esta frase: “Há, desde a entrada, um sentimento de tempo na casa materna”. Tudo continua como antes fora. A felicidade da sala, do quarto, do encontro e dos desencontros, das manhãs, das tardes, das noites e dos domingos. A música que nos cativava e continua a cativar, na lembrança do passado sempre presente. Mas deixemos o nosso poetinha no descanso do seu tempo, que é nosso também, já que Vinícius, que amou muitos amores, com a infinita paixão enquanto cada amor se eternizou, é a eternidade do tempo presente na sua arte de ser poeta.
 
Das revistas sobre a mesa, está Aventuras na História, uma importante e séria publicação que trata de temas históricos, relacionados ao Brasil e ao mundo. Nesta edição de nº 250, a matéria de capa trata dos 60 Anos do Golpe de 64, mostrando, de uma forma sintética, mas sem evasivas, todos os aspectos sociais, econômicos e políticos que levaram à nefasta ditadura civil-militar. Essa importante matéria sobre a ditadura de 64, de passagem, ao tratar dos militares na política, faz histórica referência à revolta conhecida como Revolta de Jacareacanga, em que, eleito presidente da República, em 1955, Juscelino, tentou-se, com fundamentos conspiratórios de Carlos Lacerda, a insurreição, o golpe, para não tomar posse, sob o falso argumento de ter ocorrido fraude nas eleições. Bolsonaro, derrotado, usou dos mesmos mentirosos fundamentos para a tentativa golpista de 08 de janeiro de 2023, que não foi exitosa pela intervenção do Supremo Tribunal Federal e de outras forças democráticas, que atuaram incisivamente.
 
Na mesma linha temática, a revista Humanitas, nº 173, entre outras matérias importantes, traz também como reportagem de capa a escuridão democrática vivida pelo Brasil, de 1964 a 1985. O editorial faz referência ao histórico documento conhecido como Carta aos brasileiros e às brasileiras, ressaltando, na parte final, que “como quem não consegue lembrar o passado está condenado a repeti-lo [a lição é do filósofo George Santayana], o texto exclusivo que ilustra a capa desta edição [pág. 20], escrito pelo historiador e cientista político Leandro Saiman Torelli, revela que tal fato foi um divisor de águas na trajetória brasileira. Afinal, ‘não há como refletir sobre os processos políticos, econômicos, sociais e culturais do País sem buscar a compreensão profunda do que foi aquele fenômeno’.” Em 1955, a resistência ao golpe se deveu à atuação do marechal Henrique Teixeira Lott. Vieram outras tentativas, consolidada em 1964, com participação de militares, civis, bem como do governo e das poderosas forças econômicas dos EUA. Esses são fatos históricos, comprovados. Portanto, não pertencem ao passado. Estão presentes em nossa história. E devem ser amplamente debatidos em todos os segmentos sociais.
 
Então, por que o título deste texto? A resposta não carece de grandes fundamentos. A história do Brasil deve ser estudada e debatida, sem ufanismo, em nossas escolas. Chega de criar e adorar falsos ídolos, a não ser aqueles que devem ser venerados pelo que fizeram: Tiradentes, Antônio Conselheiro, Ulysses Guimarães, e etcéteras, e etcéteras, e etcéteras. Quem teve participação decisiva na luta pela independência? Pela abolição da escravatura? Quais as causas e os interesses que possibilitaram essas conquistas? Quais os seguidos golpes que se sucederam nesta nossa pátria? Por que os ricos ficam mais ricos e os pobres cada vez mais pobres? As questões são tantas, que exigem ser examinadas e discutidas em todos os segmentos sociais. Ou se entra nesse processo de conscientização, ou continuaremos a eleger parlamentares ou governantes que são verdadeiros camelôs na compra de votos de eleitores enganados pela carência de matar a própria fome.
 
Por tudo isso, há de fato uma nuvem obscura a nos encobrir. Uma nuvem pressagiosa. As livrarias estão fechando as portas. Os jornais, também. As revistas amanhecem e adormecem nas bancas. As bancas deixaram de ser bancas de jornais e revistas. São vendas de secos e molhados. Os livros não são mais lidos. Faltam leitores. A Super Interessante, edição 394, traz uma matéria de capa, com o título A Era da Burrice. Numa das passagens, faz este registro referente ao Brasil: “Um estudo realizado este ano pelo Ibope Inteligência com 2 mil pessoas revelou que 29% da população adulta é analfabeta funcional, ou seja, não consegue ler um cartaz ou um bilhete. E o número de analfabetos absolutos, que não conseguem ler nada, cresceu de 2% para 8% nos últimos três anos (no limite da margem de erro da pesquisa, 4%). ” Alie-se a essa catástrofe de emburramento, o advento da inteligência artificial, a IA, que consegue fazer e pensar tudo por todos. Associe-se a isso o uso de celulares, para mínima e máxima necessidade, que, em números de 2013, era em média de 150 vezes ao dia. Nos dias atuais, faz parte do processo maléfico de deseducação, nas casas, nos restaurantes, nas igrejas, e, sobretudo, no analfabetismo ético e moral das nossas crianças. É essa sociedade que está em avançado processo de desconstrução, que sobrepaira a nuvem da burrice institucionalizada. Infelizmente.
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