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05/04/2024 às 18h55min - Atualizada em 05/04/2024 às 18h55min

Crônica da Cidade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

“O Dia que Durou 21 Anos”:  Ditadura, Nunca Mais!

Quando se deu o golpe que implantou, no Brasil, a ditadura de 1964, que se estendeu até 1985, era eu bem novo. Tinha 16 anos. Concluíra o curso ginasial no Ginásio Getúlio Vargas, da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, localizado no Lira, bem em frente a uma praça logo após a Igreja de São Roque. Integrei uma das primeiras turmas de ginasianos. Eram duas turmas: uma composta pelos mais velhos: a 12, e a outra pelos mais novos: a 11. Por ser linotipista, profissão que me fazia a ler, tinha por hábito a leitura de jornais e revistas, entre essas a Revista Visão. Só vim sentir os efeitos do golpe de 64 quando fazia o curso de Direito, cuja faculdade ficava, à época, na rua do Sol, bem em frente ao Teatro Arthur Azevedo. Tínhamos algumas lideranças que discutiam, na disputa do diretório acadêmico, questões referentes ao exercício do poder, uma vez que a repressão, a censura, o arbítrio, a intervenção colonialista dos Estados Unidos eram fortes fundamentos para a resistência democrática. Lembro da candidatura de Jámenes Calado e, em seguida, do exercício corajoso do seu mandato de presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito. O diretor da faculdade, prof. Fernando Perdigão, era provocado por Jámenes (depois brilhante advogado criminalista), que levantava sérias questões institucionais, cujas respostas eram apenas a indignação.

Muitas vezes, ficávamos no salão de entrada, a aguardar o início das aulas. O tempo dessa ociosidade era consumido nas discussões das notícias dos jornais, das reportagens da Revista Realidade e do Jornal O Pasquim, o qual tinha o poder da “subversão”, nas irreverências de Millôr, Jaguar, Paulo Francis, Tarso de Castro, Ivan Lessa, Sérgio Augusto, e de toda a patota daquele histórico tabloide, além das “Dicas”, que, com absoluta inteligência, faziam uma tonificante lavagem cerebral, preparando-nos a, criticamente, combater os abusos ditatoriais de 64, que tinham na tortura o método mais hediondo de obter confissões, com a imposição de cruéis sofrimentos àqueles que ousassem opor-se ao sistema autocrático do regime.

Sobrevivi. Muitos foram torturados e assassinados. Não sobreviveram. Os corpos desapareceram nos porões da ditadura.  Passados mais de 50 anos, o deputado Rubens Paiva, preso pela ditadura militar, desapareceu. Nunca foi encontrado. Outros presos, durante esse período de repressão, também desapareceram, e os familiares continuam a procurá-los sem nunca os ter encontrado.

Em que pesem essas barbaridades, há ainda brasileiros e brasileiras que, independente de serem ou não cristãos (embora o sejam de fachada), que adoram a ditadura, o arbítrio, a violência, sob a infantil e néscia justificativa de que esses assassinatos tinham como finalidade (desumana, diga-se) de exterminar com os comunistas. Ainda bem que o presidente do Superior Tribunal Militar, ministro Francisco Joseli Parente Camelo, em recente manifestação registrada por nossas mídias, afirmou que não existe comunismo no Brasil. Em resumo, as suas esclarecedoras palavras foram divulgadas nestes termos: “O presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministro Francisco Joseli Parente Camelo, afirmou que ‘não existe comunismo’ no Brasil e que a ‘esquerda quer um Brasil melhor’. ‘O comunismo acabou. Para mim não existe o comunismo, no Brasil não existe. E outra coisa, o presidente Lula é um sindicalista. Eu não vejo o presidente Lula ou jamais o vi como um comunista. As pessoas têm uma mania de pensar que ser de esquerda é ser comunista, isso não existe’. disse o tenente-brigadeiro do ar em entrevista à Bandnews TV.” Eu, deste meu cantinho, acrescentaria a essas doutas palavras do ministro que o comunismo, no sentido de uma sociedade sem luta de classes, característica esta do socialismo, não existe em lugar nenhum do mundo. E nunca existiu. Simples: onde foi efetivada a ditadura do proletariado? Nem na URSS.

A ditadura de 64 teve início em 31 de março daquele ano. Todavia, estava sendo preparada para ser deflagrada no dia 10 de abril. O general Olímpio Mourão Filho, militar golpista, conhecido como o autor do Plano Cohen, documento utilizado para justificar o golpe do Estado Novo em 1937, ainda na madrugada do dia 31 de março de 1964, deu ordem para que seus subordinados embarcassem em tanques e veículos do Exército e marchassem rumo ao Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, onde ficava a residência oficial do então presidente da República, João Goulart. Antecipava o golpe de Estado que tirou Goulart da presidência. Destruiu a democracia e impôs uma cruel ditadura militar que se estendeu por mais de duas décadas e deixou reflexos na política que perduram até os dias de hoje, a exemplo da tentativa de golpe, com participação de militares, do dia 08 de janeiro de 2023, após as eleições presidências.. Felizmente, essa prática criminosa não alcançou o objetivo de instalar-se uma nova ditadura civil-militar..

Com a ditadura, assim como a do Chile e da Argentina, foram atendidos os anseios colonialistas dos EUA – tanto do presidente Kennedy, um dos maiores investidores nas pretensões golpistas de 64, quanto Johnson. E o arbítrio passou a ser exercido através de atos institucionais. Do AI-1 ao AI-5. E não mais se falou em reformas de base, como a agrária, educacional, eleitoral, bancária, urbana e tributária, porquanto tachadas de comunistas, eram combatidas pelos setores conservadores do país e pelos grupos econômicos internacionais. Assim, nesse caminhar fomos ficando sem ir para lugar nenhum. As desigualdades se acentuaram cada vez mais. Para sustentação da ditadura militar, criou-se, através dos infames atos institucionais, o bipartidarismo, senadores biônicos, governadores, prefeitos e presidente da república eleitos indiretamente, sem a participação do voto do povo. A Constituição Federal de 1946 foi afastada do caminho dos ditadores de plantão. Giesel, um dos ditadores, em depoimento publicado no livro Ernesto Gaisel, organizado por Maria Celina D’Araújo e Celso Castro, 3. ed., p. 371, ao falar sobre o descontrole da repressão, quando foi assassinado o jornalista Wladimir Herzog, numa das celas do DOI do II Exército, disse que “todo serviço de repressão em regra se corrompe”. Quis dizer: a ditadura de 64 estava corrompida pela repressão, em que foi instituída a cultura maligna da tortura e do assassinato, desde o início até o fim.  

Muitos se beneficiaram da ditadura: banqueiros e os milionários que ficaram ainda mais milionários. Já o trabalhador teve os seus direitos reduzidos. Até mesmo o sagrado direito de greve. Greve era subversão. E recebeu de prêmio o FGTS, para tornar menos onerosa a sua demissão do emprego. A luta para derrubada do regime ditatorial exigiu muito de todos nós, até chegarmos ao movimento, com ampla participação popular, em prol das eleições diretas. O colégio eleitoral sucumbiu. A ditadura submergiu ante o clamor popular de mudança. Resta-nos bradar: - Ditadura, nunca mais!

 
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