REFRESCO COM PÃO
Ainda era madrugada “com o canto do galo, quando a gente se arrumava” para, montado em cavalo de cangalha, sobre uma “carga” pegar O CAMINHO DA VILA. Ia vender as nossas riquezas, acumuladas e guardadas em pequenos paióis: arroz (em casca), milho, farinha. A gente saía “só com o café com farinha. E olhe lá! ”. Papai a essa altura havia viajado, “lá prá cima”: Viana, Matinha, Penalva, Pindaré - para essas bandas, REDEIRO QUE ERA (vendedor de redes) já fazia uns dez dias. E deixou a orientação da venda para suprir as necessidades da casa: Sal, querosene, café açúcar. Essas coisas...
Saía-se ainda “com o escuro” e, no caminho, à nossa frente da cavalgada um BACURAU cantava ora aqui; ora ali mais adiante. BACU, BACU,RAAAAU.. BACU, BACU, RAAAAU. Eu tinha medo. Achava aquilo visagento, de um presságio negativo, tétrico. Mas, como papai não se incomodava com o Bacurau, o meu medo se dissipava.
Era lá por volta de sete horas da noite quando estávamos de volta, em casa. Aí MAMÃE perguntava, o que é que você comeu por aí? “Tomei um refresco com com pão, no seu Mundiquinho”. A resposta apascentava o coração de MAMÃE, quando ela, a essa altura já estava providenciando o nosso jantar, naquele precário fogão de lenha, à luz fumacenta, da lamparina.
O mundo deu voltas. Tantas voltas. Em tempos do Ginásio na Casa dos Estudantes, na capital, aos domingos não era servido o jantar. Então saíamos dois a dois, quatro a quatro ou... sozinho (como eu) e íamos para O BAR DO SEU BAÚ, para o substitutivo do nosso jantar: UM REFRESCO COM PÃO. Geralmente um refresco de coco ou de maracujá. Às vezes de murici ou de cupuaçu. Tantas vezes, sentidamente, o refresco de maracujá fazia-se vencido, azedo. Mas isso a gente tirava de letra. Na boa...
O tempo continuou dando voltas. Veio a Revolução de 64. Governo Militar. Regime Militar, jogo duro, tempos de DOPS, DOICODI, Pê-E, AI-5 - que hoje a gente lembra e exclama: UM REFRESCO COM PÃO! Meu amigo Rubinho de Jandira, professor no ensino público, endossa, exclamar e repete: UM REFRESCO COM PÃO!
Hoje, setenta e tantos anos depois, eu me lembro de mamãe: - “O que foi que você comeu por aí”? - UM REFRESCO COM PÃO, no seu Mundiquinho, MÃE. Aí MAMÃE ficava mais tranquila e cuidava de esquentar o nosso jantar naquele precário fogão de lenha à luz fumacenta da lamparina.
Hoje quando eu quero dizer que uma coisa é boa, é fácil, é simples, é saudável - eu digo: UM REFRESCO COM PÃO!
* Viegas interpreta e questiona o social.