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23/03/2024 às 00h00min - Atualizada em 23/03/2024 às 00h00min

Crônica da Cidade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

Dolores Duran e Helena de Lima – vê, estão voltando as flores

Às vezes pode ser que sim: ou pode ser que não. Dolores Duran e Helena de Lima, a serem considerados os momentos pessoais de cada um de nós, podem voltar ou podem ficar onde estão. Quietas. Ou nem tão quietas, uma vez que esses ícones da música popular brasileira, com as suas canções arrebatadoras e vozes cativantes, deixaram a sua marca inesquecível na arte de fazê-las e cantá-las. Cada uma ocupando um capítulo da história do nosso canto popular. Essas duas artistas do cancioneiro popular deram os passos iniciais na glamourosa era do rádio. Dolores, cantando e compondo grandes canções, que avançaram no tempo e permanecem eternas entre nós, como ocorreu com A Noite do meu Bem; e Helena de Lima, com a sua encantadora voz, enobreceu um extenso capítulo da música popular brasileira. E uma das canções, imortalizada por Helena de Lima foi, e continua sendo, Estão Voltando as Flores, de autoria Paulo Soledade, a constituir-se num dos seus maiores sucessos, gravado em 1962. A letra é simples, a expressar profundo sentimento poético. Paulo Soledade, autor de outros clássicos da música brasileira, consegue traduzir nesse poema sentimentos da beleza das flores e da vida: “Vê, estão voltando as flores / Vê, nessa manhã tão linda / Vê, como é bonita a vida / Vê, há esperança ainda / Vê, as nuvens vão passando / Vê, um novo céu se abrindo / Vê, o sol iluminando / Por onde nós vamos indo.” A interpretação de Helena de Lima concede maior beleza a esta canção. Ela que alcançou a bossa nova, doou sua bela voz na interpretação de A Felicidade, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, cujos versos iniciais, do poetinha, nos transportam para um mundo construído sobre os alicerces fluidos que vaporizam no eflúvio do amar e de toda a nossa dor: “Tristeza não tem fim, felicidade sim / Tristeza não tem fim, felicidade sim / A felicidade é como a gota / De orvalho numa pétala de flor / Brilha tranqüila, depois, de leve, oscila / E cai como uma lágrima de amor.” Enfim, a felicidade do poeta é como a pluma, que o vento vai levando pelo ar. Tem a vida breve. Mas precisa que haja vento sem parar.

Helena de Lima foi dessas grandes cantoras que amanhecia e anoitecia a encantar a vida de todos aqueles que a ouviam nas ondas poderosas das nossas rádios, que disputavam a audiência desde o amanhecer do dia até o avançado das madrugadas. Da sua voz, ouvia-se a pureza da arte de cantar Ave Maria do Morro. Ou a Verdade da Vida.

A história diz que Helena de Lima faleceu aos 95 anos de idade, na véspera de completar 96 anos, já que  nasceu 17 de maio de 1926 e faleceu em 16 de maio de 2022. Quando da sua partida, vivia no Retiro dos Artistas.

Dolores Duran, esse grande ícone da música popular brasileira, morreu aos vinte e nove de idade. Compositora e cantora de imensas qualidades. Como Helena de Lima, as flores que foram plantadas e cultivadas por Dolores Duran continuam vivas, a disseminar o seu agradável aroma e a sua eterna beleza. Produziu a pura arte do canto brasileiro.

Conta-se a história da música Por Causa de Você, cuja melodia foi feita por Tom Jobim. Tom a mostrou a Dolores. Numa sentada, Dolores fez a letra. Jobim foi ao piano, Dolores a interpretou. Só que Vinícius de Moraes, companheiro de grandes canções de Tom Jobim, já tinha feito a letra de Por Causa de Você. Mas, ao ser-lhe dado a conhecer a que fora feita por Dolores Duran, deu preferência à dela, que veio a se eternizar, pela força grandiosa de sua poesia:

 “Ah, você está vendo sóDo jeito que eu fiquei e que tudo ficouUma tristeza tão grandeNas coisas mais simples que você tocouA nossa casa, queridoJá estava acostumada guardando vocêAs flores na janelaSorriam, cantavam por causa de você

Olhe, meu bemNunca mais nos deixe, por favorSomos a vida, o sonhoNós somos o amor

Entre, meu bem, por favorNão deixe o mundo mauLhe levar outra vezMe abrace simplesmenteNão fale, não lembreNão chore, meu bem.”

Essa história é tão só um capítulo da dimensão do talento poético de Dolores Duran, que, em A Noite do meu Bem, evoca os deuses do amor, com estes belíssimos versos:

“Hoje eu quero a rosa mais linda que houverE a primeira estrela que vierPara enfeitar a noite do meu bem

Hoje eu quero paz de criança dormindoE abandono de flores se abrindoPara enfeitar a noite do meu bem

Quero a alegria de um barco voltandoQuero ternura de mãos se encontrandoPara enfeitar a noite do meu bem.”

Em Estrado do Sol, Dolores volta a caminhar com Tom Jobim e canta:

“Quero que você me dê a mãoQue eu vou seguir por aíSem pensar no que foi que eu sonheiQue eu chorei, que eu sofriPois a nossa manhãJá me fez esquecerMe dê a mão, vamos sair pra ver o Sol.”

Pois é, sem saudosismo: vê, as flores estão voltando, pelo menos aqui, neste espaço, nesta nossa breve conversa..

* Membro da AML e AIL
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