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17/02/2024 às 00h00min - Atualizada em 17/02/2024 às 00h00min

Crônica da Cidade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

Bolsonaro, o golpista: “A gente vai ter que fazer alguma coisa antes”

Mas fazer o quê? Essa insistência doentia do, à época, presidente da República, o capitão reformado do Exército, concitando os seus generais, ministros e assessores diretos e estratégicos, para fazerem alguma coisa antes, objetivava especificamente o quê? E a ação a ser realizada seria antes do quê? Ou de quê? A resposta a essas indagações envolve um complexo de atos, criminosamente coordenados pelo ex-presidente Bolsonaro, que tinha como fim delituoso dar o golpe de Estado, simulando um apócrifo estado de sítio para, em seguida, decretar a GLO, a infame e desnecessária Operação de Garantia da Lei e da Ordem. Dado esse passo golpista, efetuaria a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal e fecharia o Congresso Nacional, convocando, em seguida, nova eleição presidencial, cujo processo eleitoral golpista sacramentaria o seu nome nas urnas (diga-se: eletrônicas, ou, se quiserem, com cédulas impressas por empresas do seu grupo de sustentação econômica), criando, como ocorreu em 1964, a impostura de uma democracia com, quem sabe, senadores biônicos e governadores indicados por grupos políticos oligárquicos, que, sem exceção, enriqueceram às custas do erário público, tanto que, como herança, os seus  familiares continuam usufruindo das benesses dos seus assaltos ao patrimônio do povo.

Mas antes do antes acima dito na frase fatalista do capitão ex-presidente, é necessário que se tenha uma ideia efetiva dos fatos que, em razão das provas apuradas, materializam a cogitação, a preparação e alguns atos executórios frustrados, como as vergonhosas e violentas agressões contra os dois poderes da República brasileira: o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, constatando-se, entre outros crimes, o grave delito de omissão praticado por policiais militares e agentes das Forças Armadas, situação essa golpista que apenas confirmou a conivência criminosa dos acampamentos em frente aos quartéis militares.

Mas, em rápido resumo, os fatos dizem:

“O golpe de Estado pretendido por Jair Bolsonaro (PL), seus auxiliares e militares da ativa e da reserva descrito na investigação conduzida pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal não era uma ação única e coordenada, mas algumas tentativas sem conexão aparente. Embora a reunião de 5 de julho de 2022 – uma prima-irmã da também assombrosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020 – tenha sido um ensaio com diretrizes para uma ruptura institucional, os indícios ou provas para tentar operacionalizar um golpe surgem somente em novembro. Conversas entre o tenente-coronel Mauro Cid e o major Rafael Martins de Oliveira, preso na operação da última quinta-feira (8), revelam articulações para financiar manifestações em Brasília contra o resultado eleitoral. Segundo a PF, Cid “confirma que os alvos seriam o Congresso Nacional e o STF (Supremo Tribunal Federal) e sinaliza que as tropas garantiriam a segurança dos manifestantes”. Na decisão do ministro Alexandre de Moraes, não fica clara a data dessas manifestações nem há provas adicionais a corroborar as ameaças de Cid. Em 12 de novembro, ocorre uma reunião em Brasília com a presença de Cid, Oliveira e outros militares das Forças Especiais do Exército para, conforme a investigação, “tratar de assuntos relacionados à estratégia golpista”. Dois dias depois, o major Rafael Oliveira pede dinheiro a Cid para bancar a viagem de manifestantes vindos do Rio. Acertam que Cid lhe repassaria R$ 100 mil.” Todos esses fatos  tipificam a estratégia do golpe contra as nossas instituições democráticas e foram devidamente apurados pela PF. Apontam os ataques criminosos feitos por Bolsonaro às urnas eletrônicas, sem exibir qualquer prova, bem como a insistência em agredir e desacreditar o Supremo Tribunal Federal, ao incitar a desobediência golpista. A reunião ministerial de 5 de julho de 2022 mostra, como diz a jornalista Bela Megale, ao examinar o vídeo do evento, o capitão Bolsonaro nervoso, proferindo ataques destemperados e clamando aos seus ministros que o mantenham no poder. Tanto que pronuncia esta grotesca frase: “Eu vou entrar em campo, usando o meu exército, meus 23 ministros.” E, como se fosse uma Gestapo brasileira, faz uso criminoso da Abin, sob às ordens servis do general Augusto Heleno, que teve atuação à moda Himmler., afirmando: “Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições.”

E por que então o golpe não se consolidou? Entre alguns fatores essenciais, deve ser dada relevância às ações do ministro Alexandre de Moraes no STF, precedidas das emergenciais e inteligentes medidas adotadas pelo Ministro da Justiça Flávio Dino. Essas ações imediatas foram salvadoras. Do mesmo modo, ainda que se constate a ocorrência de alguma omissão, houve resistência de dois militares da ativa: o general comandante do Exército Freire Gomes, alcunhado desrespeitosamente pelo general Braga Netto, por ter rejeitado o plano golpista, de “cagão”. E, seguindo esse mesmo passo histórico de resistência à prática criminosa, também não aderiu à irresponsável aventura golpista o tenente-brigadeiro Batista Júnior, comandante da Aeronáutica, chamado de “traidor” também pelo inveterado golpista general Braga Netto.

Na defesa da democracia e do Estado de direito, tudo está terminado? Não. A vigilância se faz impositiva. É a eterna garantia contra os escusos interesses subalternos às elites financeiras golpistas. De outro modo, o canto da sereia voltará a encantar os nossos generais, sob o descabido e surrado argumento do comunismo (que deve ser dito: não existe nem na China, um Estado autocrático e capitalista, por essência) e das ações da esquerda, expressão esta secular, originada da Revolução Francesa, e que fez esse grandioso e histórico evento assumir o jeito de golpe, pelo terror da guilhotina, usada para cortar a cabeça dos supostos inimigos. Ademais, resta, ainda, o general Mourão, eleito senador pelas mesmas contestadas urnas eletrônicas. Tal auspicioso fato nos conduz a uma certeza de que esse general não é general da banda. Portanto, Mourão, senador, respeite o seu mandato e lute pela democracia. Ajude o Brasil a respeitar as nossas sagradas instituições. É uma alternativa, pelo menos mais regimental ou constitucional do que o golpe. Chega de golpe!

* Membro da AML e AIL
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