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10/02/2024 às 00h00min - Atualizada em 10/02/2024 às 00h00min

Crônica da Cidade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

Ó Abre Alas, para o Carnaval passar

O Carnaval retrata a índole extrovertida do povo brasileiro, bem como o personaliza na sua característica desorganizada de se organizar. Eneida, escritora paraense, vanguardista na literatura, na política e no Carnaval, no seu livro a História do Carnaval Carioca, cita o Barão do Rio Branco, quando ele disse que “existem, regularmente organizadas, no Brasil, duas coisas: a desordem e o carnaval”. Eneida acrescentou: o jogo de bicho. Se aí se tem uma verdade ou não, pensemos no Carnaval, como instituição secular, que tem dado ânimo ao povo brasileiro. Quer seja o Zé Marmita, a Cachaça, a Aurora, o Zezé da cabeleira, a Turma do Funil, onde ninguém dorme no ponto, pois todos bebem e eles é que ficam tontos. Ou ainda aquele folião (ou fuliona; no Carnaval todos são iguais) que, desde 1959, estende a mão para pedir um dinheiro aí. Então, o brasileiro ou a brasileira estão sempre a suplicar: Ei, você aí / Me dá um dinheiro aí.

Como todo bom brasileiro que se preza, brinquei todos os carnavais possíveis, e me fiz presente nos impossíveis. Certa vez, ainda bem jovem, saí num caruá – assim eram chamados os blocos dos sujos. Enverguei um paletó velho e fui à frente e em frente. Um grande amigo daquele carnaval e de alguns outros ia, fazendo o abre-alas, vestido de mulher. O nosso samba-enredo era constituído das marchinhas que alegraram vários e sucessivos carnavais: Cachaça não é água, Mamãe eu quero, Turma do funil,  e, claro e evidente, Me dá um dinheiro aí, além da eterna marchinha Sassaricando, que inventou o sassarico do brotinho, da viúva e da madame, e ainda a inesquecível A jardineira, filosófica canção de tantos carnavais, que enaltece a efemeridade da vida e a força de superação pelo amor. Daí o seu canto, em plena folia do rei Momo, a celebrar a vida e exorcizar a tristeza: “Vem, jardineira / Vem, meu amor / Não fiques triste, que este mundo é todo seu / Tu és mais bonita que a camélia que morreu.” Em 1938, ano da Jardineira, se pensava no amor e superação da tristeza na voz envolvente de Orlando Silva.

O carnaval faz a cidade ficar mais maravilhosa. Em 1935, o compositor André Filho fez e divulgou, na voz dele e de Aurora Miranda, a marchinha Cidade Maravilhosa, que participou de um concurso e ficou no segundo lugar. Essa marchinha, por lei, em 1960, foi entronizada como a marcha oficial do Rio de Janeiro. Ela continua cantada em todos os carnavais, destacando-se estes belíssimos versos: “Berço do samba e das lindas canções / que vivem na alma da gente, / é só altar dos nossos corações / que cantam alegremente. / Jardim florido de amor e saudade, / terra que a todos seduz.”

Deve-se a Chiquinha Gonzaga ter revolucionado o Carnaval brasileiro. Conforme diz Haroldo Costa, no seu livro 100 Anos de Carnaval no Rio de Janeiro, p. 123: “’Ó abre alas’ marcou uma nova etapa, abriu um fértil caminho que se desenvolveu criando um gênero novo e duradouro, a canção carnavalesca.” Chiquinha inventou a marchinha, e Ó abre alas é o hino do carnaval: “ò, abre alas, que eu quero passar / Eu sou da Lira, não posso negar / Eu sou da Lira, não posso negar.”

Marchinha foi o apelido dado pelo povo, que, por melhor cantar as alegrias do Carnaval, definiu-a como um gênero alegre, leve, buliçoso, a mexer com o mais introvertido dos foliões, constituindo-se essência da alma carnavalesca. Foram criadas belíssimas marchinhas como Zé Marmita, que, às quatro horas da manhã, saía de casa, pendurado na porta do trem; outras marchinhas como Cachaça não é água, Turma do funil, Saca-rolha, na qual as águas vão rolar, e a garrafa cheia eu, quando bebia, não queria ver sobrar, e Tem nego bebo aí, que, pelo simples fato de pisar numa casca de banana, a turma grita, chi!, tem nego bebo aí. João Roberto Kelly, o rei das marchinhas, fez Cabeleira do Zezé, a maior curtição do Carnaval de 1964, com ampla aceitação no baile do Teatro Municipal, do Rio de Janeiro, e a degustante, em todos os sentidos, Mulata Bossa Nova, que caiu no Hully Gully e seu deu ela. A Marcha do remador, cantada, com o brilho inesquecível de sempre, por Emilinha Borba: “Rema, rema, rema, remador / Quero ver depressa o meu amor.” E Pó de mico. Para o encanto dos salões, Zé Kéti nos brindou com Máscara negra, e Laércio Alves e Max Nunes com Bandeira Branca. Pois bem. Está chegando a hora. Deixo todos à vontade no bloco da saudade, pois quem parte leva saudades de alguém que fica chorando de dor. Um alegre e divertido Carnaval.

* Membro da AML e AIL
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