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03/02/2024 às 00h00min - Atualizada em 03/02/2024 às 00h00min

Crônica da Cidade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

Com nitrogênio, os  Estados Unidos matam  condenado à morte

Vários foram e têm sido os métodos para execução da pena de morte, nos países em que esta sanção penal é admitida. Alguns ainda mantêm em vigor o cruel e antiquíssimo enforcamento; outros o fuzilamento, ou a câmara de gás e,em uso mais contemporâneo,  a injeção letal. Por esses recentes dias, foi realizada a execução de um condenado nos EUA, país novidadeiro na prática dessa espécie de pena capital. A infalível a injeção letal, nessa execução, foi substituída por um novo e - sustentam os experts - eficiente método, com o uso de nitrogênio, por ser tão indolor que o executado sequer tem ideia que está morrendo. Quando li a notícia, procurei saber o que estava ocorrendo em termos de avanço na utilização dessa nova tecnologia, utilizada para operacionalizar o cumprimento da sentença do condenado à morte. E me perguntava: se era de uso coletivo, para economizar o gás, ou individual? Ou se continha alguma sutil diferença técnica, que tornava a viagem sem volta do condenado como se fosse um sonho em vez de um pesadelo?

Primeiramente, faço um conciso resumo (redundância que se faz necessária) da notícia. Assim os fatos foram divulgados, com destaque ao seu sentido técnico-inovador: “Reuters - O Estado norte-americano do Alabama executou na quinta-feira o assassino condenado Kenneth Smith, que prendeu a respiração em vão enquanto agentes o asfixiavam com gás nitrogênio, o primeiro uso de um novo método de pena capital desde que as injeções letais começaram a ser aplicadas nos EUA há quatro décadas. Smith, condenado por um assassinato por encomenda em 1988, era um raro prisioneiro que já havia sobrevivido a uma tentativa de execução. Em novembro de 2022, autoridades do Alabama abortaram sua execução por injeção letal depois de lutarem por horas para inserir uma agulha intravenosa em seu corpo. O Estado chamou seu novo protocolo, monitorado de perto, de ‘o método de execução mais indolor e humano conhecido pelo homem’. Previa que Smith perderia a consciência em menos de um minuto e morreria logo em seguida, embora testemunhas na quinta-feira tenham dito que pareceu demorar vários minutos mais.” Esses os fatos, referentes à mais nova tecnologia da morte. Ressalte-se que o condenado, já no mês de novembro de 2022, tinha-se safado da execução da pena por injeção letal. Os executores do ato não conseguiram introduzir a agulha, condutora da substância letal, numa das suas veias. Dessa frustração inicial, resultou a descoberta do método experimental e moderno, com o uso do nitrogênio.

Não se tem conhecimento se alguém foi submetido a um teste prévio, para garantir se, em alguns breves minutos teria, ao inspirar nitrogênio, feito a viagem definitiva para a morte. Mesmo assim os executores tinham certeza que, com nitrogênio, a morte do condenado seria indolor, por ser um método “humano”.  Apenas se sabe que a Química, há milênios de anos, constatou que o ar é composto de oxigênio e nitrogênio, o primeiro vai para o sangue, e o segundo, não. Portanto, de humanismo nada tem essa história, que mais se assemelha a um conto demoníaco. Mas muitos dirão: que bom! Pagou pelo que fez; outros, menos ufanistas, ficariam apenas perplexos, ante de se asfixiar e torturar um condenado, com o uso de um método experimental, até matá-lo, e, o pior, em nome da justiça.

Sou uma pessoa que valoriza o humanismo iluminista, e, mesmo com todos esses modernismos sobre a pureza indolor do novo e eficiente método, justificados no cientificismo de uma boa morte, ainda prefiro as ideias antigas, mas bem atuais, do filósofo e jurista Cesare Beccaria, expostas na sua obra Dos Delitos e das Penas (quem ainda a estuda ou apenas lê?), ao novo indolor método nitrogênico, que mata torturando. Beccaria teve o cuidado de fazer esta advertência: “O interesse de todos não é somente que se cometam poucos crimes, mais ainda, que os delitos sejam mais raros na proporção do mal que fazem à sociedade. (...) Deve, pois, haver uma proporção entre os delitos e as penas.” E essa proporção não é contabilizada matematicamente no barbarismo do olho por olho.

A nossa Constituição não admite a pena de morte, nem sanções penais de natureza cruel (art. 5º, LXVII, letras “a” e “e”). Avançamos na aplicação da pena. Mas, infelizmente, continuamos a matar os indefesos pobres das favelas, sem o devido processo legal, haja vista o que vem ocorrendo em São Paulo e no Rio de Janeiro. A Constituição é desrespeitada tanto por quem pratica o crime hediondo como por quem integra as forças do Estado em suas ações. Cito apenas para ilustrar a nossa conversa o jurista Ítalo Miqueias S. Alves, In: Constituição dos Estados Unidos da América: Traduzida, Comentada e Interpretada. (p. 9). Edição do Kindle, que diz que “a constituição é, portanto, organização dos elementos constitutivos essenciais de um Estado, a exemplo, a sua forma de governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias”. A execução de pena de morte com nitrogênio é um método animalesco, desumano. Torturante, porquanto, antes de matar, sufoca por vários minutos o condenado à morte. Foi o que ocorreu com a execução de Kenneth Smith. E, ademais, de inovador nada tem. .Só o nitrogênio. Seu emprego contraria todas as declarações de direitos humanos, e, até mesmo, a Constituição norte-americana, cuja Emenda VIII estabelece restrições às penas cruéis ou incomuns: “Não poderão ser exigidas fianças exageradas, nem impostas multas excessivas ou penas cruéis ou incomuns.” Com certeza, a Corte Suprema dos EUA não foi provocada. É de boa recomendação que se reflita que a criminalidade não se elimina ou reduz matando o delinqüente. Há outros meios indolores e eficientes. Devemos optar em ser Dr. Henry Jekill ou Mr. Edward Hyde.

*Membro da AML e AIL
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