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27/01/2024 às 00h00min - Atualizada em 27/01/2024 às 00h00min

Caminhos por onde andei

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

O BAIRRO DO JOÃO PAULO

O Bairro do João Paulo, na periferia da capital, nasceu e cresceu pontilhado de todos os estigmas negativos, com muita promiscuidade que a vida humana e suburbana poderia produzir. Lá, à margem da grande “Avenida”,  o bonde fazia o RÔDO, quer dizer: estabelecia um fim de linha e retornava na rota do centro. Enfim, o RÔDO. O local era iluminado e a mulherada livre daquelas cercanias, fazia “ponto”, sob a intensa luz do rôdo do bonde. O bairro ficou conhecido por RÔDO. E o rôdo significava a mistura desordenada, a promiscuidade de toda a prostituição local.

Em ambientes desses, misturam-se os bêbados, os cachaceiros, os usuários de todos os tipos de droga, os proxenetas, os rufiões, os alcaguetes, os gigolôs, os vadios, desocupados, mau-caráter, briguentos, as donas de pensão, chatôs, mercadores do sexo e outros e outras tantas do ramo.

O Rôdo, isto é, o Bairro do João Paulo, era remarcado por  vários personagens, “cada um no seu quadrado”, compondo uma lastimável promiscuidade. Contudo, era o “social” da grande comunidade que compunha aquela periferia, de um dos lados da grande Avenida. O lado de baixo, que dava para as Ruas: Cerâmica, Agostinho Torres, Simião Costa, Rua da Malária e para o alagadiço da ressaca litorânea dos Barés.

Tinha a DONA CARMEM e seu filho CELSO. Dona Carmem era uma viúva, dona de sua casa bem situada no Rôdo; uma coroa “enxuta”, como era de se dizer, que se desdobrava em sua máquina de costura para satisfazer os anseios, a boemia e vida fácil do seu filho único, o CELSO, um galã pra ninguém botar defeito, um rapagão, bonitão, moreno e bem vestido  que só vestia roupas boas e bonitas, calçava sapatos engraxados e que todas as noites, aprontava-se, perfumava-se e... saía rumo à casa de sua namorada, ao tempo em que “namorava na porta”. E Dona Carmem, aquela gatona viúva e sozinha, morrendo de amores, dizia: Celso, meu filho, lembre-se que eu não deito nem durmo enquanto meu filho não chegar. E Celso: “Fique tranquila mamãe Carminha. Eu volto cedo. Não se preocupe. E voltava só mais tarde, depois dos tantos amassos que dava em sua namorada, ainda que na porta da casa dela.

Tinha a Dona Perpétua, que o social chamava de PERPÉTA. Perpéta era a dona do chatô mais famoso do bairro. Uma mulherada e tanta que ela comandava com mão de ferro. CHATÔ: Como se vê era uma casa de mulheres à espera e à disposição de quem desse e de quem viesse. E esse era o RODO! As mulheres comiam e moravam ao comando da velha Perpéta.
Ao ocuparem um quarto (o seu próprio quarto) com seu/s homem/ns, essa era a “CHAVE”,  a preço fixo, que pagavam diretamente à Perpéta  ou a quem esta autorizasse. E deduzia o preço na conta da inquilina.  Também beber   com seus homens para movimentar a receita dos ganhos daquela CAFETINA. Era lei do cão. Ao fim do mês, feitas as contas, estavam sempre devendo à dona do chatô. Perpéta, olhos azuis, falastrona,prostituta da velha gurda, nos seus dias de farra, escancarava-se ao sofá e falava nas alturas. O dinheiro escorria em tudo o quanto ela verberava.

Tinha o CABO LARANJEIRA. Uma pistola carregada  e um punhal na cintura. Dia e noite. Noite e dia. Laranjeira posava de segurança de PERPÉTA, por isso acostava-se, aproveitava-se das farras de PERPÉTA e bebia de graça. Laranjeira  tinha fama de quem já tinha mandado não sei quantos para  a “cidade de pés juntos”. Então ele, aproveitador, com umas cervejas no juízo, batia a mão direita sobre o ombro esquerdo e dizia: *“Quem derrubar as minhas duas lapas (divisas de cabo), vai morrer.”  E, pelo gargalo, entornava mais uma, como se tomado pelo remorso à conta de suas tantas vítimas, que era como o povo dizia.

Tinha o LAMBADA. Consta que Lambada foi Soldado de Polícia. “Era um cachaceiro de marca maior”. Lambada vivia o dia inteiro às voltas com suas cachaças. Metia-se a “entendido” e a falar bonito com aquele seu vozerio. Quando queria. Conta a lenda que, certa feita, porque sim ou porque não, Lambada chutou uma banca de café e tudo se foi ao chão. E tudo se perdeu. Decepcionada e humilhada a mulher dona da banca, olhou na cara de Lambada e sentenciou: *”Com essa perna tu nunca mais chuta uma banca de café”*. Deu no que deu!: Lambada tinha a perna direita amputada e a esquerda avariada. Era um tempo em que as pessoas, por qualquer frustração, ameaçavam o adversário: *“Te boto um sapo no bucho”*. Cruz credo! Aí o valente já se mancava, ficava mais manso e a encrenca acabava com essa ameaça do *“sapo no bucho”.* Taí o Flamengo e suas mandingas no estádio, que o diga!!!

Tinha o SALRGENTO DOS QUARTEL. O SALRGENTO era um homem corpulento que se trajava a bom termo. Nas tardes, ao fim do mês, ao lado de uma coroa em que ambos guardavam proporções, descia o “Canto da Perpéta” e singrava pela Rua Simião Costa, já na área do baixo-astral do RÔDO. Era quando ia comer uma galinha ao molho pardo, preparado exclusivamente para aquela autoridade por aquela viúva retrancada do social, dono da espelunca, com dedicação exclusiva àquele SALRGENTO, um cliente especial. Com essa visita, presença e frequência ilustre, até prece que a dona do bordelzinho meio que encubado diante do social em volta e do prestígio com que ela se sentia, até parece que ela era a Comandante ou a dona do Quartel em  que o Salrgento servia, tal a leviana importância que se fazia na servilidade ao milico.  O Batalhão  aliás, não ficava longe dali. Ficava no Avenidão, logo depois do Rôdo (em que o bonde fazia o retorno), rumo às linhas do centro.

DONA ROSA, uma coroa falastrona que gostava de suas cachaças, mãe de uma gatíssima lindérrima que, na surdina e encubada, estava voando nas alturas e transando todas na discrição e na boa. Dona Rosa ficava de bronca  com a situação da filha e aí, com duas pingas no juízo, metia a língua na filha dos outros e dizia que elas “estavam dando as carnes”. Mas quem também, estava “dando as carnes” era a filha da Dona Rosa, ela que era amiga da dona da espelunca que recepcionava o Salrgento. Ela também abeberava-se da autoridade daquele militar. Parece até que dividia com a dona da espelunca a imagem e o prestígio do fardado. Ela que enchia a boca ao referir-se sobre o SALRGENTO DOS QUARTEL.

Tinha a SANTA. Santa era uma gata, pequena estatura, portátil, linda, lindíssima!  Fêmea pra ninguém botar defeito. Tocava a vida na dela e “não dava mancada”. E qualquer um que se prezasse naquele grande Rôdo teria o direito de pelo menos “sonhar” com a SANTA. E não é que certa feita quando eu andava nos cafundós daquela Baixada, da capital a uns 500 quilômetros, numa certa noite de festa, mês de dezembro, eu vi a SANTA na companhia de um “desinfeliz”. Acho que fizemos de conta que não nos vimos.

Eita mundão que dá voltas e que acaba sendo pequeno demais! E que nos permite nos encontrarmos com quem um dia deitou-se na mesma cama, no mesmo quarto, movidos quiçá pelo mesmo desejo. E... lenha na fogueira!!!

Era assim o Bairro do João Paulo – O RÔDO.
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*Viegas é o filho de Antônio de Inez (que estudava na cidade). Texto protegido por Lei de Copyright ©*(Lei nº 9.610/98). 
©Todos os direitos reservados ao autor.
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