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13/01/2024 às 00h00min - Atualizada em 13/01/2024 às 00h00min

Caminhos por onde andei

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

ERA MANHÃ

Antônio de Inez, estava hibernado com sua mulher e dois filhos, dentro de uma “casa do forno” (casa de farinha), em terras e de propriedade de Seu Emidinho (Emídio Campos). Estava numa farinhada para “aprontar”  um filho seu que estudava na cidade (na capital). Estavam ali já fazia uns cinco dias, em intensivo trabalho dia e  parte da noite. Ali mesmo, altas horas, todos “esbaforidos”, e cansados, dormiam – fosse ao chão fosse nas gamelas de botar farinha. E, no dia seguinte, quando o dia amanhecia, já estavam “pegados” no trabalho”. O moleque, filho de Antônio de Inez que “aprendia na cidade”, contudo, preocupava-se e a si perguntava-se: “Afinal, por que é mesmo que fazem uma casa de forno dentro do mato?”.

Era manhã, ainda cedo da manhã, quando por ali chega O PANTALEÃO AROUCHA, um homem de seus vinte e poucos anos, sozinho, com cara de tresnoitado e assim um tanto desconfiado, meio que com jeito de quem escondia-se de alguma coisa. Pantaleão e Antônio de Inez tratavam-se  por “compadre”. Antônio de Inez, porém vai direto ao ponto: Ih compadre, você por aqui uma hora dessa?!

E Pantaleão assim um tanto arredio, vergonhoso e desconfiado, vai pelas beiradas: É compadre, sem querer lhe incomodar, eu vim aqui  saber quando é que o senhor vai terminar o seu serviço e desocupar a casa do forno? É que “esta semana” eu roubei uma moça e tou precisando de uma casa de forno para desmanchar uma tapioca para  fazer uns bolos para o casamento. Antônio de Inez, rápido no gatilho: Se aveche não compadre, estou desocupando aqui por esses dois dias.  Só falta uma duas fornadas.

Pantaleão animou-se! Sentindo-se melhor e já sendo atendido em suas pretensões, PANTALEÃO, abriu o jogo: Roubei uma moça, a filha do Seu Maçazinho,  do Bom Viver. E vou ter que casar. Tanto ele quanto um filho já vieram lá em casa. E papai (o valente Patussino Aroucha) já disse: “Mexeu com filha alheia tem que casar”. Agora é o jeito. Não tem mais jeito.

Nessa breve prosa, Pantaleão ainda convidou Antônio de Inez para o seu casamento que se daria dali a uns 15 dias. E Antonio de Inez, no contrapeso, ainda levou o seu filho que estudava na cidade, em sua companhia.

Lugar marcado para  o encontro:  No terreiro de Dionizo de Trocata, cedo da manhã, como sem falta.

Dois dias depois, ainda era manhã, bem cedo, quando Pantaleão, chega ali na casa do forno acompanhado da moça a quem roubara: Antônio de Inez, novamente vai ao ponto: Ih compadre, jáááá´?! Já ta botando a moça no eito do trabalho? – É compadre, mulher que junta com pobre tem que se acostumar ao trabalho do pobre. Sabes como é qui é, né? Disse Pantaleão. É o jeito compadre, fazer o quê, né? Contra ataca  e confirma Antônio de Inez.

No dia do casamento, no local  marcado para o encontro ao terreiro de Dionizo de Trocata, assim que Antônio de Inez ali chegou, logo logo chegou a comitiva do casamento, vindo  à frente ROSALINO DE FILISSO CAMPOS, na nobre função de “MALEIRO”. O “maleiro” era (é) um serviçal de luxo. Carregava a tiracolo uma mala de guarimã e nesta os sumários pertences  do casal: Roupas, calçados, espelho , pente, toalha, etc.

Rosalino ali era o PAGEM, Depois dos noivos era a  pessoa mais importante daquela comitiva de casamento. Rosalino de Filisso sempre à frente em montaria independente, seguido dos noivos na mesma montaria, completada pelos demais convidados. E tome caminho! E tome areal! Passa Belém, passa São Francisco, vai pssando.. Era por volta das “nove e tanta” quando chegaram à casa da Escrivona (um cartório destinado a casamentos), no lugar OLHO D´ÁGUA DE GOMES.

Depois da celebração do casamento o JUIZ DE PAZ, um roceiro tanto quanto os demais, como era do seu feitio fez uma pregação: E explicou sobre o casamento os deveres do casamentos, a formação da família, a criação dos filhos e aí se foi quase uma hora desse blá-blá-blá. E quando saíram de lá ja era umas onze do dia e todo o mundo só com o café com farinha (da manhã). E a água do pote.

Ao chegarem à casa de Patussino Aroucha (Patrocíno Aroucha), sem mais demora, o BANQUETE. Margarida Cabeça Branca, era a cozinheira chefa. O Banquete é a representação social (e alimentar) do casamento. É o momento mais esperado pelos convidados. À primeira e grande mesa sentam-se os nubentes (recém-casados), senta-se O MALEIRO, sentam-se os padrinhos do casamento e, a seguir, à mesma mesa as pessoas que compuseram a comitiva do casório. É boia, seu menino, é boia! Tudo do bom e do melhor; Carne Guisada, carne frita e torta.

Em princípio, a mesa estava dentro da modesta casa de Patussino Aroucha, mas, em seguida, colocaram a banca, ao terreiro, à frente da casa, do lado de fora da casa, ao sombrio das árvores ali existentes.

E todos ali, se refestelando sobre os pratos avantajados - pratos feitos (e bem feitos) de boa comida, é quando Antônio de Inez, falante e que já se ensaiava como “poeta matuto”, iniciou a sua fala pública, dando VIVAS aos nubentes – uma espécie de louvação pelo casamento: “Estamos todos reunidos/É grande a satisfação/E VIVA senhores e senhoras/ Ao casamento de Canuta e Pantaleão.” Fez um pausa e esperou que alguém tomasse a palavra.

Como ninguém disse nada,  Antônio de Inez emendou: “Estou aqui, porque fui convidado;/ Agradeço ao Compadre Pantaleão, pelo convite que me deixou muito honrado”. Aí Antônio de Inez foi mais adiante: Estamos aqui nesta mesa/posta neste terreiro/ E viva Rosalino de Filisso/o competente Maleiro. Haja palmas!!! E fez um sinal para o filho que estudava na cidade (na capital), para ele dar prosseguimento aos vivas mas... o moleque, assim um tanto abestado, envergonhado:  nhem... nhem... cabisbaixo, nada disse. E então encerravam-se os vivas.

Já era umas cinco da tarde, o sol naquele capoeirão de Patussino Aroucha, ali perto do Rio do Meio, já declinava no horizonte, onze, com o bico de Brasa cantando na galhada lá em cima, é quando as pessoas, aos poucos retomam suas montarias. E vão dando adeu:; “até a próxima / Se Deus quiser. Inté, inté... respondiam as pessoas. E em poucos instantes esvaziou-se o terreiro de Patussino Aroucha, ali composto de um novo casal, uma nova família, com o casamento de CANUTA E PANTALEÃO.

Aquele moleque, que teve os seus 15 dias mais longos de suas vida, à expectativa  do casamento,  em  que acompanharia o seu pai naquele casamento -  ele que não disse o VIVA que o pai provocara;  ele mesmo que estudava na cidade (na capital), mas tarde, de livre iniciativa,  escreveu uma monografia sobre a vida do seu lugar: os usos, os costumes, as tradições, ali não poderia faltar (como não faltou), um capítulo constante de O CASAMENTO DE CANUTA E PANTALEÃO.
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*Viegas é o filho de Antônio de Inez (que estudava na cidade). ©Todos os direitos reservados ao autor. Texto protegido por Lei de Copyright ©*(Lei nº 9.610/98)
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