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16/12/2023 às 00h00min - Atualizada em 16/12/2023 às 00h00min

Crônica da Cidade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 

Sinais dos tempos, portanto vigiai

Li, com muita atenção, o excelente texto publicado no jornal O Imparcial, edição de 10 a 11 de deste mês, do historiador, poeta, compositor e produtor cultural Renato Dionísio, sob o título Involução ou sinal dos tempos?, no qual o autor faz referência às mutações dos valores éticos, sociais e políticos, com o passar do tempo. E acentua que podem ser normais ou anormais numa sociedade, ora em face da evolução ou mesmo em involução dos costumes. Destaco duas passagens que me chamaram a atenção: “Passando nesta semana por nossa Praia Grande cruzei com um veículo plotado no vidro traseiro com este texto ‘Deus, Pátria e Família’ e ao lado deste chamamento a inscrição de ser aquele o único partido de direita no Maranhão. Calma, claro que defendo o direito desta pessoa expressar suas paixões, mas ainda, advogo que todos defendam o que acreditam. Me causa inquietação não apenas o fato de alguém confessar ser de direita, mas ainda advogar para si o privilégio de ser o primeiro, entre os seus iguais.”  - “Sou de um tempo em que o professor(a) era temido e respeitado pelos seus alunos, nenhum ousava discutir, desacatar ou ofender o mestre. Chegavam ao ponto de aplicar castigo físico aos alunos. Se consultarmos os mais velhos, saberemos como estes educadores, que podiam até serem temidos, ao seu tempo, foram ao final de suas vidas e contribuição, referenciados como exemplos de dignidade e respeito e o quanto contribuíram com seus exemplos, para edificar a cidadania e a cultura nacional.”

Com o passar do tempo, o que mudou e tem mudado constantemente, de forma até certo ponto assustadora, para nós da geração passada? O texto do historiador e poeta Renato Dionísio põe à mesa do debate sociológico, filosófico e mesmo jurídico todas as questões levantadas, a partir da advertência direitista. Ser da direita ou da esquerda é um tema na ribalta dos acerbados conflitos não só no Brasil, mas, em geral, no mundo inteiro. Em recente leitura que estou fazendo do livro Como as Guerras Civis Começam e como Impedi-las, de Barbara F. Walter, Ed. Zahar, 2022, essas tormentosas questões são discutidas, ou de forma direta ou indireta. Já na introdução, a autora Barbara Walter conta a história de um personagem, Adam Fox, um homem de 32 anos, detentor de um profundo sentimento de frustração, que morava, de favor, como se fosse um sem-teto, no subsolo de uma loja. Passou a integrar uma milícia (há vários agrupamentos dessa natureza fascista nos EUA) e, como a governadora do Michigan, Gretchen Whimer, decretara, em razão da grave disseminação do vírus da covid-19, um lokdown, preparou um plano e pôs em execução para seqüestrar e matar a governadora. Felizmente frustrado pela ação de agentes do FBI. Mas esse fato denota a preocupação de que as milícias, quer de direita ou esquerda, são hoje uma característica definidora de conflitos que se espalham pelo mundo inteiro.

Tenho pensado sobre isso. E digo: direita e esquerda são só rótulos, que encobrem no pacote a justificar as maldades os interesses de traficantes, não só de drogas, mas de armas, as mais sofisticadas armas letais, dos poderosos donos do mundo e dos destruidores da natureza. De fato, os tempos são outros. As ideologias iluministas,  da Revolução Francesa, sucumbiram. Todas essas guerras, ora em plena efervescência, não têm mais o objetivo de restaurar a dignidade do ser humano. Os interesses estão bem claros nos vetos impostos na ONU do Sr. Joe Biden, de Putin, ou de qualquer outro que detém o poder de vida ou morte sobre o mundo.

O art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos impõe aos povos civilizados, independentemente dessa estultice de direita ou esquerda, de origem da Revolução Francesa, em decorrência dos embates entre girondinos e jacobinos, a natureza dos seres humanos livres e iguais e que devem agir uns em relação aos outros com fraternidade. Isso mesmo fraternidade. Não apenas uma utopia, um sonho, ou produto de uma mera declaração. Exige compromisso de luta. Consciência de luta para alcançar a sua finalidade de humanizar as relações no mundo.

Não gostaria de chegar ao pessimismo construtivo de José Eduardo Agualusa, que disse  recentemente: “Acho que a realidade morreu.” Esta declaração é essência do seu comentário, divulgado nos blogs: “A morte da realidade explicaria muitas coisas que vêm sucedendo neste nosso planeta nos últimos meses. Explicaria, por exemplo, a eleição do senhor Javier MIlei, na Argentina.” Para quem viveu os tempos do cronista Renato Dionísio, deduz-se desse pessimismo denunciador dos dias, ora vividos, a tinta lúcida da verdade, retratada na desigualdade brutal,  presenciada, a olhos vistos, nas nossas ruas e calçadas, repletas de pedintes, crianças e mulheres, na sua maioria negros, cuja causa é ausência da fraternidade, do amor ao próximo, mandamento fundamental, que não tem lado, como fatos geradores da morte dessa realidade, a destruir os valores éticos de outros tempos. Nesse trajeto que se faz, ao percorrer a curta ponte, como afirma Machado de Assis, entre a vida e morte, eternamente ligadas numa mistura estreita e infinita, a nossa missão é mais sublime do que cumprir meros slogans ufanistas. Mas ser, acima de tudo, humanos, e romper essa devastadora desigualdade. Assim, seremos poetas, sonhadores, escritores das coisas do mundo e da vida. E cristãos, por amar ao próximo, independentemente de fazer parte da nossa confraria religiosa ou não religiosa.

 
*Membro da AML e AIL
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