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02/12/2023 às 00h00min - Atualizada em 02/12/2023 às 00h00min

Caminhos por onde andei

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

DIA DE TAPAÇÃO DE CASA

Era dia de "tapação" de casa de TIBÚRCIO DE MILHANO, no Centro Novo, na Baixada. A “tapação" de casa, é um trabalho em regime de mutirão que movimenta o povoado e motiva a rapaziada. Também rola muita bebida e... também... muita comida. Bebida quente: cachaça, vinho, conhaque, o que tiver, tudo junto e misturado. Então a negrada já fica acelerada. E a bebida apanha e o serviço anda.

Era umas dez do dia. Serviço apanhando bonito! E todo o mundo sem camisa e trabalhando no vamos que vamos, de olho na boia, que era uma carne de porco com arroz. Arroz coberto com palha de banana. Tudo fervendo, cozinhando e cheirando que era uma beleza! Hummmmm! É quando chega ARGEMIRO DE BASTIÃO. Ave-Maria-Cruz-Credo!  Argemiro tinha fama de “prevesso”, de coisa ruim, não tirava uma faca da cintura e todos diziam que ele tinha o diabo no couro. Falou em Argemiro de Bastião, a terra tremia. Diziam.

Argemiro já tinha sido preso no São Vicente e “puxado” um tempo na penitenciária porque matou um sujeito pras bandas do Canta-Galo. Ele até se orgulhava dessas lembranças. Contava vantagens e fazia questão de contar a experiência e as refregas que passou pela Penitenciária, em que dizia que a penitenciária é lugar de HOMEM. E só aguenta a Penitenciária quem tem aquilo roxo. Argemiro sentia-se o maioral. O dono da situação. Montava num cavalo, só na esteira e saía por aí “de déu em déu” (à toa) contando e sorrindo das “diabruras” da Penitenciária. Ninguém o enfrentava nem o desagradava.

Argemiro chegou na “tapação” da casa de TIBÚRCIO DE MILHANO e já foi logo no desaforo como um capeta: “Aqui no Centro Novo não tem homem”. Fez-se “selêncio”. E todos calados. ZÉ MATIAS, um rapazola, assim um tanto deficiente e o mais fraco entre todos ali, sem que ninguém esperasse, reagiu: “No centro Novo tem homem, sim”. Pronto! “Catucou” o diabo com vara curta: Tem homem /não tem homem/ tem homem não tem homem. Os dois foram às vias de fato. Zé Matias, frente a Argemiro era um como um pinto diante de um corujão sanguinário. Não dava nem para o caldo.

De posse da faca, Argemiro enfiou-a no espinhaço (nas contas) de Zé Matias. A faca ficou presa. Mesmo diante da desdita, o fraco Zé Matias, pegou um pau e mandou na cabeça de Argemiro. O sangue lavou! Por incrível que pareça, todos na
"tapação" e “ninguém deu um pio”.  Apenas ajudaram a arrancar a faca que estava presa no espinhaço do pobre rapaz.

E, no “deixo disso /deixo disso” (deixem disso), Argemiro foi "simbora" e todos continuaram na “fanxina” da "tapação" da casa, porém, ali nada mais teve graça; não teve mais aquela animação; aquele "converseiro", aquele "zuadeiro", como se todos estivessem com o rabo entre as pernas.

E a boia? A boia que era a principal atração em que todos pouco antes estavam de olho naqueles cheirosos caldeirões em carne de porco com arroz, coberto com folha de banana, logo deixaram de mão. A fome passou e ninguém nem mais lembrou. É que o ambiente fedeu a diabo. As pessoas diziam.

E o que era para o almoço, ficou para o jantar. E quando foram jantar lá pelas sete da noite, todos desmotivados, foi um jantar sem graça, sem nenhuma motivação, nem parecia
"tapação" de casa. Era como se sentia Balbino de Virisso, um mais que legítimo e aperfeiçoado “bom de boia”. Cada qual com a sua colher e seu prato nas mãos, traçando carne de porco com arroz (misturado com farinha d’água). E todos na ressaca das bebidas ingeridas e todos cansados da excessiva jornada que é a "tapação" de casa. E todos decepcionados com a “prevessidade” daquele “sujeito “prevesso” e atentado” que é o Argemiro de Bastião Folhá.  Credo-em-cruz. Pade-Nosso-Avi-Maria! Por isso é dizem que tem bicho que vem do mato pra casa. Esconjuravam...

E por ali sem mais a presença do fraco ZÉ MATIAS que acabou indo embora, gemendo e sem mais condição de prosseguir na
"tapação" de casa, sempre com sua varinha na mão, que lhe servia de apoio, quando andava.

Mas enfim, a
"tapação" de casa de TIBÚRCIO DE MILHANO, “ficou na história” daquele lugar. Tibúrcio que era roceiro e matador de boi, esse já morreu. Morreu depressa como todos dizem: Morreu do coração. Zé Matias depois que se aposentou, mudou-se, não mora mais naquele lugar. E... ARGEMIRO DE BASTIÃO, para o bem de todos e felicidade geral do povoado e da redondeza, finalmente... bateu as botas e foi pros quintos... na cidade de pés juntos, empacotado num paletó de madeira.

* Viegas interpreta e questiona o social.
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