MENU

18/11/2023 às 00h00min - Atualizada em 18/11/2023 às 00h00min

Crônica da Cidade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

A CADA UM O QUE É SEU 

Quero acentuar, nesse início de conversa, que a violência está ocupando a mídia (impressa, radiofônica, televisiva e redes sociais), sendo objeto de sucessivos debates, quase sempre de modo superficial, sobretudo em alguns segmentos sensacionalistas desses meios de comunicação. O crime, caracterizado como ato delinquente contra o patrimônio, a honra, o corpo e a vida do ser humano, faz parte do nosso cotidiano, como fato corriqueiro do cardápio de notícia que consumimos, a todo momento. A ênfase, como não poderia ser outro modo, é dada às macabras descrições dessas hediondas práticas, exaltando os atos ignóbeis do cruel e perigoso infrator, sem esquecer o sofrimento da vítima ou vítimas do roubo, do golpe, das lesões, do estupro e do brutal assassinato.

O fenômeno da criminalidade não é uma apropriação da sociedade ou do Estado brasileiro. Não. Está a contaminar outras nações, havidas como ostentadoras de alto índice de desenvolvimento não só econômico, mas cultural e educacional. Nos Estados Unidos (EUA), tempos atrás, um atirador invadiu uma universidade de Oregon, fez disparos de uma potente arma de fogo e deixou um saldo de mais de 10 mortos e o dobro de feridos. Nota esclarecedora dessa violência: Oregon é um dos estados norte-americanos que permitem a entrada no campus das universidades de alunos portando armas de fogo, proibindo apenas dentro dos edifícios. Assim era. Não sei se mudou. O atirador se encontrava com quatro armas: três delas de pequeno porte, e ainda ostentava um colete à prova de balas. Estava armado para o que desse e viesse, quem sabe motivado ou por algum desequilíbrio mental, ou por fundamentalismo ideológico.

Nesta parte da nossa conversa, aproveito e faço uma ligeira leitura do livro O Nível – Por que uma sociedade mais igualitária é melhor para todos, de Richard Wilkinson e Kate Pickett. Detive-me no Capítulo 10 – Violência: a conquista do respeito. Os autores, que têm estudo na área da história, da antropologia e da epistemologia, concluíram que “um trabalho consistente mostra uma relação clara entre maior desigualdade e taxas mais elevadas de homicídio”. E esclarecem: desigualdade de renda e crimes violentos têm uma ligação positiva, pois, numa sociedade, conforme aumenta a desigualdade, aumentam os crimes violentos. Esse estudo de Richard e Kate conclui que as taxas de divórcio são mais elevadas em municípios americanos mais desiguais. E uma das conclusões da que pesquisaram é que há um paradoxo negativo dos filhos criados sem pais, que assumem comportamento caracterizado pelo desvio de desequilíbrio, com geração de maior ênfase à competitividade, para se superarem.

Esses fatores exógenos indicam que as sociedades mais desiguais são as mais violentas. O equilíbrio tem fundamento na vida familiar, na escola, na vizinhança e na competição por status, uma vez que a vinculação entre desigualdade e violência é essencial e coerente. E foi demonstrada em muitos períodos de tempo e locais diferentes. A sociedade, antes de eleger a morte do criminoso como solução dessa grave doença social, deve optar, como política púbica, para redução drástica da desigualdade que a contamina como o vírus que dissemina o aumento da morte física ou do encarceramento, o qual não deixa de ser uma morte provisória de natureza civil, pois a elimina legalmente a liberdade, atributo essencial da dignidade da pessoa humana.

Essa seria uma equação verdadeira, que, ao ser aplicada, evitaria a intervenção desagregadora e nefasta da polícia, quando carece combater a criminalidade, quando pratica atos ofensivos aos direitos fundamentais da pessoa do delinquente. Não dúvida, haja vista as conclusões dos estudos científicos, que, reduzindo ou extirpando a desigualdade, a violência, decorrente criminalidade mais ostensiva, tende a cair para índice suportável de convivência.

Os estudos estatísticos indicam que a violência é uma preocupação na vida das pessoas. Em O Nível, obra aqui citada, retiram-se esses dados: “Nos mais recentes levantamentos sobre a criminalidade britânica, 35% das pessoas declaram estar muito ou razoavelmente preocupadas com a possibilidade de ser vítimas de assalto, 33% temiam assalto físico, 14% se preocupavam com estupro e 13% com violência motivada por questões raciais. Mais de um quarto das pessoas que responderam declarou estar preocupado com a possibilidade de ser ofendido ou incomodado em público.” Ao lado disso, há ainda a violência decorrente da agressividade antissocial, sob o argumento do exercício da liberdade de crítica, quando a pessoa, menos preparada para o salutar exercício da cidadania, numa linguagem de menoscabo, insulta um povo, uma etnia, uma opção sexual, o exercício de uma religião, ou, ainda, nesse caso, impõe a sua concepção religiosa em ambiente público, como tem ocorrido em lojas, supermercados e outros ambientes.

O que se constata? É que, nesses tempos de outros valores, as relações sociais têm perdido muito a noção de civilidade. Embora numa visão consequencialista, a justiça consista em dar a cada um o que é seu, ainda assim, não se pode dar ao miserável a miséria, nem ao desgraçado a desgraça, nem ao escravo a escravidão. Garante-se a igualdade àquele que é igual, e dá-se ao desigual a igualdade, tratando-o com igualdade na medida da sua desigualdade, para que seja alcançada a igualdade substancial.

* Membro da AML e AIL
Link
Leia Também »
Comentários »