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11/11/2023 às 00h00min - Atualizada em 11/11/2023 às 00h00min

Caminhos por onde andei

(e o “BALAIO”, da gente)

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

A “Lata do Frito” (do Elson)

 
Faz dias, li por aqui com redobrada atenção, o texto do imortal acadêmico ELSON  ARAÚJO: A LATA DO FRITO. O título, por sua bizarrice, já me chamou a atenção. E então, parti pra cima, para ver mesmo-mesmo, até aonde chegaria aquela LATA DO FRITO. Que, aliás, até que eu já poderia prever.

Disse o ELSON em sua LATA DO FRITO: “Ontem, às 13h55, ainda sem saber com o que ocupar este espaço, preocupado porque falhei na semana passada e não querida falhar novamente, minha mãe veio ao meu socorro. Pegou nas minhas mãos e me transportou aos meus sete anos de idade. Segue o intelectual em sua catilinária: Morávamos numa pequena cidade. Não havia água encanada, e só os mais abastados tinham poço no quintal, o que não era nosso caso.  Para beber e lavar louça, era até fácil. A água vinha do poço da casa vizinha. Agora, para lavar roupa, a coisa complicava. Exigia uma certa logística, que começava um dia antes, quando minha mãe juntava a roupa suja da semana.  Não havia sabão em pó, nem desses bonitinhos que a gente compra na quitanda. O sabão, quase sempre era de fato de porco e potassa”.

E segue o moço desfiando suas margaridas e diz que: “Cuidadosamente minha mãe ia separando a roupa suja para formar uma imensa trouxa. Feito isso, vinha a parte da qual mais gostava: o frito de galinha caipira, temperada com alho, sal, pimenta do reino, e o cheiro verde (cebolinha, coentro) tirado de um canteiro, no fundo do quintal. Nunca faltou uma penosa no quintal lá de casa. Depois de pronta, a iguaria era misturada numa farinha (puba) e posta numa lata, e tampada. Só seria aberta, ao meio dia, do dia seguinte, no intervalo da lavagem de roupa. Dormia, pensando no frito”.

E eu ali, atento, qual um gato espreitando uma pomba desatenta ou... uma gata! Segue a ADORÁVEL mãe do Elson, aos trancos e barrancos, carregando, na cabeça uma imensa trouxa de roupa e ele lá pelas beiras, farturas tantas, mordendo mangas e cajus e deixando tudo pela metade. E eu só vendo o... “safado”, na vida vadia que levava. Mas, ainda assim, pensando na LATA DO FRITO que sua mãe levava para aquelas tarefas em lavagem de uma montanha em trouxa de roupas. ”No pingo do meio dia, começava a ouvir de longe minha mãe me chamar. Ela já havia terminado a lavagem e punha a roupa espalhada pelas ramagens para quarar “... Era aí que o traquina esperava pela palavra mágica: “Elsonnnn, vem almoçarrrr”. Largava tudo e lá ia eu correndo, descalço, sem medo de ferir os pés ou levar uma queda. Chegava o momento da abertura da lata de frito.

Senti-me, então, dentro do enredo e do enlevo. Vi então que o ELSON tinha fartura; tanto tinha que nas regulares lavagens de roupas pela sua mãe, tinha sempre uma “penosa”, numa LATA DO FRITO, coisa que eu não tive, nem não conheci. Mas... ainda assim...

 AGORA É A MINHA VEZ...
Vendo essa LATA DO FRITO, eu entrei de CABEÇA,  varei o túnel do tempo, na retroativa, e fui parar lá pelos meus 8, 9, 10, 12 anos de idade. Lá em casa, a nossa água para toda e qualquer finalidade, vinha por outro viés. Distante de casa, meio quilômetro, caminho de mato com “tucanguira” (uma grande formiga) e “caba de boi” (um  marimbondo grande) pelo caminho, tínhamos um poço. Uma cacimba).No inverno água verde (ou azul?),  em quantidade. No verão, água regrada. Ou era ali ou era ali. O vizinho mais próximo ficava a um quilômetro, em caminho de mato. Nossas vasilhas eram duas cabaças de um pote. Carregar uma cabaça ou um pote, resultava sempre um banho. Direta ou indiretamente. Para chegar à cacimba, fosse dia ou começo de noite, havia sempre um ritual: “Hei do poço, com licença”. Era devido pedir licença  à MÃE DAS ÁGUAS. O meu próprio grito já me despertava o medo. Mas essa era a regra, o dever.

Lá em casa não tínhamos a LATA DO FRITO. Seria luxo demais para aquela “renca” de filhos. Mas... por vezes (por vezes) durante as viagens à  VILA em que acompanhávamos o meu pai, montado em outro animal, pintava um... ”BALAIO”. Em proporções infinitamente menores, o BALAIO o nosso frito, era dois ovos fritos, também um ou outro pedaço de um franguinho de quintal(que nunca tinham tempo de crescer) também frito e, misturado à farinha de puba (que ali chama-se farinha d’água). Esse era o nosso BALAIO!

Saíamos de casa, orientandos pelo “cantar do galo”, ainda com a Lua declinando  lá em cima, pouco depois das quatro da madrugada, E toca caminho e passa São João, passa Gurguéia, passa Paquetá, Rua das Fôrras. E segue viagem e eu... de olho no BALAIO, à espera da boa vontade, sempre tardia do meu pai. Agora estamos na Conceição!!!

Até que... . até que... lá pelas nove, nove e tanta, senhor meu pai, a frente, montado em seu animal, adentra a uma breve sombra à beira dá estrada e apeia. E, claro, tava na hora do BALAIO. Comíamos aquilo  (pouca mistura) com muita farinha engordurada. Lá diante, “encostávamos”, em uma casa qualquer à beira da estrada, pedia-se uma “água de beber”. E de pança cheia e refeito, seguia-se viagem. Boia mesmo que era o “de comer” só lá pelas sete da noite quando chegávamos em casa e minha ADORÁVEL MÃE, Dona Lola, já nos esperava com um peixe seco ao “vinho de coco babaçu” (leite de coco), com arroz. Depois do banho, é claro. E então, esfalfados, dormíamos todos felizes da vida, à luz da lamparina que já se apagou, enrolado à rede e ignorando as muriçocas.

Hoje, vendo eu ao ELSON com sua LATA DE FRITO, posso também ver que, quem não tem LATA DE FRITO, também... até que pode ter um BALAIO. E o BALAIO era o nosso frito. Mas só sabe dizer isso quem... exatamente... viveu isso.

* Viegas questiona e interpreta o social.
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