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21/10/2023 às 00h00min - Atualizada em 21/10/2023 às 00h00min

“Me pega, magote de cachorros!”.

O legado da ex-vereadora Carmem Porto para história política de Imperatriz

ELSON ARAÚJO

ELSON ARAÚJO

ELSON Mesquita de ARAÚJO, é membro da Academia Imperatrizense de Letras-AIL e durante alguns anos, foi repórter de O PROGRESSO.

 
O confrade Ribamar Silva, membro da Academia Imperatrizense de Letras (AIL) e do Instituto Histórico e Geográfico de Imperatriz (IHGI) escreve atualmente o livro que conta a história do legislativo municipal, que neste 2023 completou 165 anos, e como não poderia ser, no seu conjunto de atas lavradas, e não lavradas, é guardião da história política, não só da cidade, mas da região. O livro, sabendo da dedicação, competência, sensibilidade e responsabilidade com a história, do escritor Ribamar Silva, caminha para se tornar um importante documento histórico, de repercussão estadual, na antevéspera dos 100 anos de emancipação política de Imperatriz, que serão celebrados dia 24 de abril de 2024.

Imperatriz é uma das poucas cidades do Maranhão que festeja, não a emancipação, mas a fundação. No nosso caso, o 16 de julho 1852, data atribuída à chegada do frei Manoel Procópio, por aqui. Como se diz por essas bandas, depois de muitos conflitos políticos, a vila do frei só “virou cidade” em 24 de abril de 1924, pela caneta do governador Godofredo Viana. Data, que pela sua importância histórica, começa a ser resgatada e tende, pela primeira vez, a ser comemorada. Pelo menos, é o que se espera.

Incipientes debates sobre os cem anos de emancipação política do município   já são realizados pela Academia Imperatrizense de Letras (AIL) e pelo Instituto Histórico e Geográfico de Imperatriz (IHGI) com algumas ideias já sendo desenvolvidas para não deixar passar, “sob águas profundas”, tão importante data.

Bem, e o que tem a ver o “me pega, magote de cachorros”, com isso?  Encontro a resposta nos apontamentos de Ribamar Silva para o livro do Legislativo. A frase, conforme o pesquisador, foi proferida pela ex-vereadora Carme Silva Porto, que está vivinha da silva com seus bem vividos 85 anos de idade, e marcou um episódio cheio de conflitos em terras procopianas.

Pelos relatos ouvidos até agora, inclusive de familiares bem próximos, Carmem Porto, na poesia da sua juventude, carregava na veia o espírito contestador. Não se conformava com aquilo que, diante dos seus olhos, não estava correto, e não se calava. Poucas mulheres na sua época, tinham essa coragem. O evento que resultou no nascimento da frase “me pega, magote de cachorros!”  demonstra isso.

Filha do seu Zeca Porto. e da  Dona Santa Porto, irmã do ex-vereador Afonso  e do ex-secretário de estado e ex-vice prefeito Pastor Porto, a vereadora Carmem, assim como a contemporânea  Hilda Cortez, (1965)  (a primeira vereadora eleita de Imperatriz)  e mais tarde Alvina Fortaleza (1974) (a primeira mulher a presidir o legislativo municipal) , numa década ainda  marcada  pelo preconceito contra a mulher,  marcou sua geração e, sem dúvida, figura como uma peça importante da histórica política da cidade e  referência para o protagonismo feminino de hoje.

E o “me pega, magote de cachorros”?  Aconteceu quando corajosamente, logo no início do governo militar Carmem Porto, então com 25 anos de idade, se insurgiu, sozinha, contra tudo e contra todos, sem medo de qualquer retaliação física/moral/ psicológica, mesmo sabendo que poderia, inclusive ser presa, foi a única integrante da Câmara Municipal, naqueles anos de Nosso Senhor Jesus Cristo a votar contra cassação do prefeito João Menezes de Santana, eleito para o quadriênio 1963/1967.

Ribamar Silva conta que “partidária de João Menezes de Santana, teve, mais uma vez, a oportunidade de demonstrar sua bravura e lealdade a seus ideais. Tendo o prefeito sido acusado de ser amigo de comunistas, sofreu um processo presidido por militares que resultou na cassação, pela Câmara, de seu mandato, tendo sido a vereadora Carmem Silva Porto, a única voz dissonante.

Cassação consumada, Carmem deixa o Plenário, se dirige ao hall do prédio em que funcionava a Prefeitura e a Câmara, e conforme Franklin e Lima (2016, p. 170), anunciou às pessoas que acompanhavam o processo postadas em frente: “– Os vereadores foram coagidos a cassar o mandado do prefeito”.

O pesquisador apurou que por conta dessa posição, Carmem Porto tinha quase certeza de que seria presa e por isso naquele dia não foi pra casa, e sim para a residência do cunhado, ´Edem Milhomem, que ficava nas proximidades do aeroporto. De lá, segundo Ribamar Silva, tendo por fonte da informação, o irmão da então vereadora Luiz Carlos Porto (Pastor Porto), foi “conduzida em um jipe, coberta por uma lona, pelo Sr. Licínio Cortez, agente da Varig na cidade, até à porta de embarque de um avião que tinha como destino a capital, são Luís, e que já se encontrava com os motores em funcionamento. Da porta da Aeronave, Carmem se volta e grita alto e bom som: “me pega, magote de cachorros!”.

A história apurada por Ribamar Silva revela que já em São Luís, Carmem Porto foi reconhecida pelo então promotor público de Imperatriz, Leovigildo Freitas da Silva, inimigo figadal de João Menezes e dirigiu-se ao 24 Batalhão de Caçadores do Exército em São Luís, que tratou de denunciá-la no 24 Batalhão de Caçadores do Exército, local em que já se encontrava preso, o presidente da Câmara Moacir Campos Milhomem.  
A denúncia não prosperou. Não deu em nada, e passado o clima de beligerância, a corajosa Carmem Silva Porto retornou para a Terra do Frei onde reassumiu seu mandato, um único, mas que entrou para a história.

Carmem Porto casou-se depois com Adelino Tinto de Sousa, dono do primeiro supermercado de Imperatriz, o Pegue e Pag. Teve sete filhos. Hoje, aos 85 anos, ao lado de alguns filhos mora, e vive tranquila, há quatro décadas, num mesmo endereço, uma propriedade rural na saída da cidade, na margem esquerda da Br-010, sentido Bananal. Vive em paz, com suas memórias, netos e sua história.
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