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30/09/2023 às 00h00min - Atualizada em 30/09/2023 às 00h00min

Crônica da Cidade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 

E a música se transformou...

Não só a música. Tudo se transformou, como previra o poeta Paulinho da Viola no samba Tudo se transformou: “Ah, meu samba /

Tudo se transformou / Nem as cordas do meu pinho / Podem mais amenizar a dor / Onde havia a luz do sol / Uma nuvem se formou / Onde havia uma alegria para mim / Outra nuvem carregou…” Verdade. Atravessamos o século XX e estamos a trilhar pelo XXI. Cada um com as suas peculiaridades. O século XX, marcado pela modernidade, porém caracterizado pela brutalidade de duas grandes guerras – a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais. E, numa visão mais restrita, afeta ao nosso continente, especificamente no Chile e em nossa pátria amada, tivemos duas cruéis ditaduras. As duas brutais. Da nossa terra brasilis teve início em 1º de abril de 1964 e estendeu-se até1985. Foram mais de vinte anos sob o jugo dos fardados, que, em vista da delação premiada de Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente do capitão, e do teor macabro dos fatos noticiados, tomou-se conhecimento que os generais pretendiam, mais uma vez, usurpar o poder. Os fatos foram assim noticiados:

“247 – Uma revelação bombástica abala o cenário político relacionada ao plano golpista discutido em reuniões secretas entre o ex-presidente Jair Bolsonaro e altos escalões das Forças Armadas. O caso veio à tona após a divulgação de e-mails da equipe de ajudantes de ordens da Presidência, que indicam um encontro entre Bolsonaro, comandantes das Forças Armadas e o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, em 14 de novembro de 2022, apenas quinze dias após o segundo turno das eleições presidenciais. O encontro, que não constava na agenda oficial do ex-presidente, teria ocorrido no Palácio da Alvorada e levanta questões sobre sua natureza e conteúdo. Dois dias após essa reunião, Mauro Cid, ex-auxiliar de Bolsonaro, teria recebido um estudo sobre o ‘poder moderador’ de militares, uma tese adotada por bolsonaristas para justificar uma intervenção, segundo reportagem do jornal O Globo. Segundo informações vazadas por Cid em sua delação, Bolsonaro teria se encontrado com a cúpula das Forças Armadas e integrantes do governo da ala militar, após as eleições, para discutir detalhes de uma minuta que contemplava medidas golpistas. Na época, o então comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, teria supostamente declarado a Bolsonaro que sua tropa estava pronta para aderir a um chamamento do então presidente. Embora os e-mails relacionados à agenda do dia 14 de novembro não mencionem nominalmente os comandantes presentes, é importante ressaltar que as três Forças eram lideradas por Almir Garnier (Marinha), General Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e Tenente-Brigadeiro do Ar Baptista Junior (Aeronáutica) naquela ocasião.”

E ainda em resposta a essa proposta golpista, consta que o comandante do Exército, general Freire Gomes houvera, de imediato, dito ao capitão ex-presidente que “se o senhor for em frente com isso, serei obrigado a prendê-lo”, enquanto o comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, teria manifestado apoio a essa ignóbil proposta golpista.

Mas não só a música se transformou, o mundo se transformou, tudo se transformou, mesmo assim continuamos pensando só naquilo: o golpe, para derrubada de governos democraticamente eleitos. Os desgovernos de Temer – este produto do golpe do impeachment, com a participação midiática ativa e das forças econômicas – e  o do capitão foram contaminados pela ostensiva presença de militares ocupando altos postos na administração. E, diga-se, com atuação desastrosa, como se deu com gestão do general Pazuello no “comando” (entre aspas) do Ministério da Saúde, quando a morte pela covid foi disseminada a cântaros, aos milhares, ceifando a vida de muitos brasileiros e brasileiras.

Uma dedução imposta pela lógica: o golpe do dia 08 de janeiro vinha sendo preparado, a partir da manutenção indevida de acampamentos da massa ignara, em frente aos quartéis. Tanto é verdade que, em 11 de novembro de 2022, os militares divulgaram um comunicado apoiando os criminosos que atentavam contra o Estado de direito e a democracia. E, como afirma o jornalista Jeferson Miola, “o cúmulo do absurdo foi o ofício enviado pelo Comando Militar do Planalto ao Governo do Distrito Federal solicitando disponibilização de ambulâncias, instalação de banheiros químicos e realização de serviço de limpeza na área do Quartel General do Exército Brasileiro ocupada pelas hordas fascistas”. Esclarece mais ainda esse jornalista a respeito da presença ostensiva de militares nos governos que se sucederam após o fim do regime ditatorial de 64: “Depois do golpe de 2016, eles ocuparam postos-chave no governo golpista chefiado por Temer – GSI, Ministério da Defesa e intervenção federal no Estado do Rio. A partir daí, assumiram um protagonismo direto no processo de colonização do aparelho de Estado; processo que alcançou seu clímax no governo militar presidido por Bolsonaro. A designação do general Fernando Azevedo e Silva para atuar no gabinete do presidente do STF Dias Toffoli, durante o processo eleitoral de 2018, se insere neste contexto de avanço da interferência e da tutela militar, cujo sintoma mais traumático foi o tuíte do Alto Comando do Exército assinado pelo general Villas Bôas em 3 de abril de 2018. A desestabilização do país para justificar uma pretensa intervenção militar sempre esteve nos planos das cúpulas partidarizadas das Forças Armadas, que se articulam e se organizam como um Partido Militar clandestino.”

Como se deduz, os fatos falam por si. Mesmo assim, tudo tem se transformado: a música, de sucesso passageiro e logo esquecida, o amor efêmero, as artes, em sentido mais amplo, a comunicação, a vida e até os veículos automotores, já que estamos na iminência do advento do carro elétrico voador, cujas primeiras unidades devem estar circulando pelos nossos céus, bem poluídos, e com todo esse calor torturante, no raiar do ano de 2026. Mas a mentalidade golpista continua sem aceitar as mudanças de toda uma vida de lutas, a exemplo do que ocorreu, na promulgação da Constituição de 1988, quando o restaurador da República, presidente da Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, afirmou com veemência, ainda ressonante nas páginas da história do Brasil: “Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo.”

Ah, parodiando o canto lírico do sambista Paulinho da Viola, tudo deve ser transformado, sobretudo e acima de tudo, essa mentalidade fascista. De outro modo, paramos na barbárie da crueldade cotidiana e visualizamos nos jornais a foto alegre e triste da menina Heloísa assassinada, sem qualquer motivo, por integrantes da Polícia Rodoviária Federal. E o pior: sem nenhuma punição, como se deu com a morte, por encomenda, da vereadora Marielle Franco, cuja vida foi ceifada em 14 de março de 2018. Todos esses tristes fatos nos convocam a ser revolucionários de uma sociedade do amor, como já se pregou no passado, e jamais do racismo, da liberalidade assassina do armamento criminoso, ou da destruição do meio ambiente, e muito menos do ódio e da morte.

* Membro da AML e AIL
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