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23/09/2023 às 00h00min - Atualizada em 23/09/2023 às 00h00min

Caminhos por onde andei

(e os velhinhos transviados)

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

 

*GERALDO PÉ DE BOI*

Faço as contas agora, torço e retorço e vejo que estávamos lá pelo final dos anos 1980, no Governo Cafeteira. Ou teria sido ainda no Governo Luís Rocha, antes de Cafeteira? O certo é que, na época, veio para cá um Delegado de Polícia (nomeado e sem concurso, como era desse tempo), que, por sua vez, trouxe consigo um amigo de confiança e braço direito em tudo. Eram dois senhores de vetusta idade, sob a liderança do titular-delegado, este que fazia questão de impor “jogo duro”, em tudo. Logo, a turma de seus próprios subordinados os apelidou de “VELHINHOS TRANSVIADOS”.

Não que ambos apresentassem desníveis de conduta em face da idade, ou algo semelhante. Isso não! Mas porque em sendo senhores de idade razoavelmente avançada e ainda sob a hipótese de que não tinham experiência na área policial, porém sempre solidários e companheiros entre si, não estavam lá a gosto da rapaziada, seus subordinados, cá embaixo, acostumados com certas facilidades que o “jogo de cintura” costumava propiciar.

Era um só delegado nas pessoas dos dois. Ou... dois delegados na pessoa de um. E a turma de subordinados cá embaixo da hierarquia, soltando a língua: era VELHINHOS TRANSVIADOS pra cá, Velhinhos Transviados pra lá. Tudo à boca miúda, sem que os dois soubessem da chacota. E até parece que “os rapazes” deixavam que eles (os dois) se “virassem” para encontrar os resultados ou soluções desejadas. Os velhinhos, enfim, remavam contra a maré... e a má vontade dos veteranos-calejados, seus subordinados.

A esse tempo, cai nas malhas por aqui um tal de GERALDO PÉ DE BOI. Pé de Boi “não era das entregas” por aqui, mas era famoso na crônica policial, como ladrão de carro. E dele o que no mínimo diziam é que era de “alta periculosidade”, mas ainda assim Geraldo Pé de Boi permanecia intocável, na dele, no lugar comum entre os demais presos. E só para ilustrar, contavam que, em fato recente à época, em terras de Barra do Corda, Pé de Boi, sozinho, teria enfrentado a Polícia, de marcha ré num automóvel “Brasília”, de uso na época, trocando saraivadas de tiros e ainda conseguiu fugir. E falavam de Pé de Boi como sendo “o bicho”, na crônica policial. Um tipo que “não arredava nem para o trem”.

Na época, a cadeia pública ficava ali no Setor da Farra Velha, o conhecido Primeiro Distrito. E como havia constantes fugas, inclusive em noites de chuva, fizeram lá nos portões de acesso ao xadrez, uma “super-grade” com grossos tarugos de ferro na vertical, protegida por uma grossa chapa de ferro. Enfim uma masmorra para ninguém botar defeito! Aquilo mais do que um cárcere, era um gradil dos infernos, com cara de coisa de “prisão perpétua” e morte precoce tal o mau cheiro e o calor infernal que fazia ali dentro, inclusive com o sol que se projetava sobre o severo gradil de ferro e a pilha amontoada de presos, lá dentro.

Foi num desses xadrezes que acabei por conhecer o tão propalado Geraldo Pé de Boi. Naquele momento de aproximação, logo de cara Geraldo me perguntou qual era o meu carro. E quando lhe respondi, ele, sem cerimônia e fazendo pose de quem era o tal no seu ofício (como de fato era), me disse que “um carro assim eu bato com o dedo e ele vem”. E esnobou: “um carro assim não me interessa, eu não perco o meu tempo”.

Detalhe que me chamou a atenção é que Pé de Boi, ainda que atolado até o pescoço, balançava-se numa rede, lambia e enrolava um cigarro de palha. E falava sorridente, em verbo solto, qual estivesse num piquenique ou numa casa de veraneio, alegre, feliz, manso e tranquilo. Saí dali confuso com aquele sujeito, mas atento àquela cena, ao ver aquele homem que se mostrava indiferente à sua sorte, na prisão. E, ao contrário: tranquilo e nem aí! Era como se ele contasse nos dedos o desfecho daquilo tudo, logo logo. E como se nada estivesse acontecendo...

Nada não! É que Pé de Boi, estava ciente e bem ciente da escapatória que ele mesmo já tinha armado: ou... pagou para isso. É que aqueles grilhões feitos de robustos tarugos de ferro e chapa de aço, estavam solapados, serrados e mal se seguravam como grade. Nessa mesma noite, debaixo de uma chuva, estratégia de fuga, Geraldo Pé de Boi deu adeus à Imperosa para nunca mais (nunca mais) por aqui dar notícia, nem botar os seus pés, deixando os VELHINHOS TRANSVIADOS e uns e outros seus subordinados, a ver navios. E eu é que não meto a mão no fogo e tenho minhas dúvidas se ali não tinha dedos dos próprios subordinados dos VELHINHOS TRANSVIADOS. Conjecturava eu depois.

* Viegas interpreta e questiona o social
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