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09/09/2023 às 00h00min - Atualizada em 09/09/2023 às 00h00min

Crônica da Cidade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

Uma longa e  exaustiva demanda 

Uma demanda antiga. Não só antiga: antiguíssima. Teve início pelo meado de dezembro de 1995, quando Raimundo e Fernando começaram o conflito por causa de uma linha de mandioca. O processo chegou a ser extinto, sob o fundamento de que o autor não compareceu para audiência de conciliação, conforme consta na decisão extintiva, juntada às fls. 11. Mas, depois, novo ajuizamento e quase não acaba, vindo a ter o seu fim definitivo no dia 15 de janeiro de 2015, após terem sido esgotadas todas as tentativas para solucionar o litígio, restando inexitosas.

O termo inicial da controvérsia relata que o autor, Raimundo, em dezembro de 1994, fez um plantio de uma linha de macaxeira no terreno localizado na rua do Ararizal, de propriedade do requerido, Fernando, e com o seu consentimento. Não conseguiu colher. O requerido desfez o plantio, inutilizando-o completamente. Tentou uma solução amigável, sem haver acordo. Pede o ressarcimento do prejuízo, no valor de R$ 1.500,00.

Até aí, nada de mais. Designada conciliação, foi expedida a citação. Pela certidão do oficial de justiça, Fernando, não sendo citado, não compareceu à audiência. Deu-se a extinção. Mas, não tendo sido regularmente citado, o feito foi chamado à ordem, para, desarquivado, ser dado andamento. Audiência realizada mais de seis meses depois, no dia 10/7/1996. Uma longa e formal audiência, com o termo sendo datilografo em seis folhas, com tudo bem detalhado. A sentença foi prolatada para condenar o requerido a pagar ao autor a importância de R$ 1.500,00. Data da sentença: 30 de janeiro de 1997. Convenientemente publicada no Diário da Justiça.

Foi interposto recurso contra a sentença. E contra-arrazoado. Os autos foram para a Egrégia Câmara Recursal, submetido a parecer do representante do Ministério Público estadual, que se meteu em assunto que não era de seu interesse. Mas falou. O recurso foi julgado em 16 de setembro de 1997, meses após a prolação da sentença, sendo improvido. Certidões e mais certidões. Os autos, enfim, foram devolvidos à instância de origem, com vista ao patrono do autor, o dito vitorioso nas instâncias a quo e ad quem. Pede a execução do julgado. O executado não é encontrado. Mudou-se para outra localidade. E já estamos pelo ano de 1998. Nova expedição de mandado de penhora e avaliação. E já estamos em 1999. Novo mandatário é constituído pelo credor. É feito pedido de atualização da dívida executada. Cálculo realizado, a execução que era de R$ 1.725,00 passou, com os acréscimos, para R$ 9.865,13.

Estamos no ano de 2008, e o cálculo atualizando o débito em execução é de 18 de janeiro de 2007. Despacho determinando que fosse procedido à penhora online. Nesse caminhar, está-se a sair do plantio da macaxeira para o mundo da internet. Nesse novo tempo, ainda assim, penhora online feita em parte da divida.  Em 22 de abril de 2008, novo magistrado começa a sua gloriosa participação nesse histórico processo. Manda certificar se o prazo para embargos e a clássica frase de sempre: após, voltem-me conclusos. Nesse ínterim, como não poderia ser diferente, o executado opôs embargos à execução. Começa tudo outra vez. Intime-se o embargado para se manifestar. O embargado não perdeu tempo. Dentro do prazo, com data de 16 de outubro de 2008, impugnou. Os embargos foram julgados improcedentes. Parte do valor executado foi liberada em 22 de julho de 2009. Despacho determinando nova penhora, em vista do valor restante da dívida. Recalculada para R$ 11.08,04, em 27 de outubro de 2009. Penhora online infrutífera. Indicação pelo exequente de bem à penhora: um veículo. Mandado de penhora expedido. Sem êxito. Certidão do oficial de justiça datada de 3 de março de 2010.

A ação, iniciada em 13/12/1995, está quase a alcançar 15 anos de vida, a caminho da maioridade.

Veículo indicado para penhora bloqueado no órgão de trânsito.

Acordo firmado entre as partes para pagamento parcelado da divida em execução. Enfim, o credor-exequente recebeu, além do que havia sido pago antes, a importância de R$ 11.000,00, isso no dia 31 de maio de 2012, dezesseis anos após o ajuizamento da demanda. Ainda assim, houve saldo remanescente de R$ 4.630,04.

O último ato processual data de 6 de janeiro de 2016, após decorridos vinte anos do ajuizamento da ação indenizatória. Decide que a obrigação fora satisfeita e extingue em definitivo o processo.

Conclusão: neste trôpego caminhar, entre mortos e feridos, não há sistema jurídico processual que se salve. Quem ganha, perde mais do que ganha. E quem perde, perde todas as esperanças de ter se livrado, logo no início, de um processo que o atormentou durante alguns preciosos anos de sua vida.

* Membro da AML e AIL
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