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02/09/2023 às 00h00min - Atualizada em 02/09/2023 às 00h00min

Crôniica da Cidade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 Votos controvertidos  do Min. Zanin, no STF

O Ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal, atualmente aposentado, num trabalho histórico sobre a Corte Suprema da Justiça brasileira – Notas sobre o Supremo Tribunal (Império e República, 2014) – traz alguns substanciosos esclarecimentos sobre a origem dos órgãos de cúpula da justiça do Brasil. Faço este destaque: “Com a chegada da Família Real portuguesa ao Brasil, motivada pelos sucessos históricos ocorridos na Península Ibérica (invasão das tropas napoleônicas), registraram-se, em nosso País, então mero domínio colonial ultramarino de Portugal, fatos extremamente relevantes, dentre os quais se situa a criação, por Alvará Régio, de 10/05/1808 (uma terça-feira), do Príncipe Regente D. João, da Casa da Suplicação

do Brasil, sediada no Rio de Janeiro e investida da mesma competência atribuída à Casa da Suplicação de Lisboa. Esse decreto real, ao instituir o primeiro órgão de cúpula da Justiça brasileira, determinou que se findassem, na Casa da Suplicação do Brasil, ‘todos os pleitos em ultima Instancia...’, valendo referir que a alçada dessa elevada Corte judiciária estendia-se, não só aos processos instaurados no Brasil, mas, igualmente, às causas provenientes das ‘Ilhas dos Açôres, e Madeira (...)’. A Casa da Suplicação do Brasil, já vigente a Carta Política de 1824, foi sucedida pelo Supremo Tribunal de Justiça, que, embora criado por Lei Imperial de 1828, foi instalado em 09/01/1829, data em que aquele órgão de cúpula instituído pelo Príncipe Regente D. João, extinguiu-se de pleno direito, não obstante subsistisse, de fato, até 1833, quando se restabeleceu o antigo Tribunal da Relação do Rio de Janeiro. Durante a República, a Constituição Federal de 1934 alterou a denominação constitucional do Supremo Tribunal Federal, passando a designá-lo como Corte Suprema. Com o advento da Carta de 1937, restabeleceu-se a anterior denominação (Supremo Tribunal Federal), mantida, até hoje, pelas sucessivas Leis Fundamentais da República.”

Essa uma resumida história do Supremo Tribunal Federal, até chegar à estrutura organizacional da Constituição Federal de 1988. Como se deduz dos fatos narrados, a caminhada da nossa Corte Suprema de Justiça é longa, a percorrer uma extensa trilha no tempo. Nesse estudo do Ministro Celso de Mello, nos é dito que os presidentes da República que mais nomearam ministros foram Getúlio Vargas, 21, Deodoro da Fonseca, 15, e Floriano Peixoto, 15. Café Filho não fez nenhuma nomeação.

Ao longo de todos esses anos da história republicana brasileira, de 1899 a 2023, só durante o governo de Floriano Peixoto (1891 a 1894), foram rejeitadas pelo Senado Federal cinco indicações presidenciais: a do médico Barata Ribeiro, que exerceu o cargo durante quase um ano; de Inocêncio Galvão de Queiroz, de Ewerton Quadros, de Antônio Sève Navarro, e de Demosthenes Silveira Lobo. Por que o presidente Floriano Peixoto indicou um médico para ministro do STF e houve posteriormente a rejeição pelo Senado? As constituições do Brasil, formalmente, não estabelecem, como requisito para indicação de membros do Supremo, a obrigatoriedade de ser bacharel em direito, mas ter entre 35 a 65 anos de idade, ser brasileiro nato, ser cidadão, em pleno gozo dos seus direitos políticos e possuir notável saber jurídico e reputação ilibada. Portanto, não há exigência de que seus membros sejam originários da magistratura. É uma tradição que se construiu desde a Constituição de 1891.

Ao Supremo Tribunal Federal cabe a guarda da Constituição (art. 102, CF).

Dito tudo isso, como argumento preliminar necessário, vamos aos votos do recém-nomeado Ministro Cristiano Zanin Martins, que estão causando controvérsia, em razão de não se ter alinhado com o pensamento mais progressista, a dizer: mais à esquerda. Em resumo diz-se: “...votos contrários à descriminalização da maconha e da equiparação da homofobia e transfobia ao racismo, ao negar a anulação de uma condenação por insignificância do valor do delito (menos de R$ 100) e ser favorável à integração da Guarda Municipal ao sistema de segurança pública, Zanin demonstrou, em pouco tempo, representar o conservadorismo moral, punitivista e militarista, que impede as leis de protegerem os mais injustiçados.”

E mais: “...o perfil do advogado Cristiano Zanin não corresponde ao que o Brasil espera de um jurista comprometido com as mudanças necessárias em sentido amplo.” (Paulo Kliass, economista). Acusam-no, ainda, de não ter sido um militante de causas progressistas.

Eis a polêmica. Deve ser lembrado que o capitão, quando presidente, indicou, e foram aprovados pelo Senado, dois militantes da sua agenda reacionária, os quais, de modo aberto, atuam no STF protegendo esses interesses conservadores. Um dos indicados o foi por ser pastor protestante, além de  “terrivelmente evangélico”. Nada a ver com os critérios constitucionais.

Ressalte-se que um dos perfis do STF é ser contramajoritário, quando atua na proteção dos direitos fundamentais.

Por esses fatores, não se pode exigir do Ministro Zanin a mesma conduta jurisdicional dos que foram indicados pelo capitão. Deve exercê-la com liberdade, submetida a críticas construtivas. Sem insultos. Mas com fundamentos. O Ministro Zanin não foi para STF para fazer a vontade do presidente Lula, do PT, ou da esquerda, mas para ser ministro: julgar de acordo com a sua consciência jurídica. Concordo com aqueles que dizem que o Ministro Zanin precisa de tempo, não podendo ser avaliado por dois, três ou quatro votos, dados em temas controvertidos, com divergências naturais no debate que se processa no Tribunal Constitucional. Aguardar e ter paciência.

* Membro da AML e AIL
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