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28/07/2023 às 00h00min - Atualizada em 28/07/2023 às 00h00min

Crônica da Cidade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 

Marielle Franco – “o caminho faz-se caminhando”

Faço referência ao verso do poeta espanhol Antonio Machado, porque, tendo vivido de 1875 a 1939, atravessou os Pirineus, na sua luta contra o fascismo de Franco, vindo a falecer na França. Dos seus vários poemas, há um verso muito citado em que ele diz: “Caminante, no hay camino / se hace camino al andar” (Caminhante, não há caminho, o caminho faz-se ao andar, ou caminhando). Em 14 de março de 2018, foi assassinada a tiros a vereadora Marielle Franco, juntamente com Anderson Gomes, por criminosos profissionais, que fazem do delito de homicídio um ato corriqueiro de mercancia O iter criminis, nas etapas preparação, execução e consumação, foi extremamente bem elaborado pelos criminosos que atuaram nessas fases. O crime, tendo em vista a vítima ser uma socióloga, ativista e política, em pleno exercício do mandato de vereadora do Estado do Rio de Janeiro, teve ampla repercussão nacional e internacional, a exgir que fossem adotadas todas as providências investigatórias para ser solucionado, desde a cogitação até a execução. Todavia, e aqui se faz necessária esta adversativa, encontrou inúmeros entraves, inclusive com a participação do então famigerado Ministro da Justiça Sérgio Moro, quando o nome do “seu Jair” apareceu no curso inicial da investigação, citado e anotado em livro da portaria pelo porteiro do condomínio Vivendas, como a pessoa que autorizou a entrada no condomínio de Élcio Queiroz, o mesmo que fez o acordo de delação premiada, e esclareceu todo o iter criminis, envolvendo os atos preparatórios e a execução, com o desfecho do assassinato da vereadora Marielle Franco.

As investigações, que sofreram entraves e interferência do governo anterior, estacionaram num momento tatibitate. Como cantou o poeta espanhol, na sua luta contra o fascismo de Franco, não encontraram o caminho para trilhar e chegar a todos os culpados. Ficou no meio termo: preparação, execução e consumação, soterrando-se em dúvidas com os cadáveres de Marielle e do motorista Anderson Gomes. A partir de 2023, veio o novo governo, que teve que refazer o caminho das investigações, até porque não havia mais os entraves opostos pelo malfadado ministro Sérgio Moro, empregado e cumpridor de ordens espúrias que lhe dadas por Jair Bolsonaro, o capitão do Planalto, que transformou o que não ia nada bom em péssimo.

Sobre esse momento em que o caminho foi feito pela caminhada das investigações da Polícia Federal (em maiúsculo mesmo), o maranhense e Ministro da Justiça Flávio Dino, no exercício escorreito dessa nobre função de Estado, em entrevista dada às mídias, prestou esses esclarecimentos: “Temos a conclusão de uma fase na investigação, com a confirmação de tudo que aconteceu na execução do crime. Certos detalhes sobre os quais pairavam dúvidas, com a delação essas dúvidas se acham removidas. Há convergência entre a narrativa do Élcio em relação a outros aspectos que já se encontravam de posse da polícia. O senhor Élcio narra a dinâmica do crime, a participação dele próprio e do Ronie Lessa, e aponta o Maxwell e outras pessoas como co-partícipes desse evento criminoso no Rio de Janeiro. A partir daí, as instituições envolvidas terão os elementos necessários ao prosseguimento da investigação. Não há, de forma alguma, a afirmação de que a investigação se acha concluída. Pelo contrário. Há um avanço, uma espécie de mudança de patamar da investigação. A investigação agora se conclui do patamar da investigação e há elementos para um novo patamar, a investigação dos mandantes do crime.”

Certíssimo o Ministro Flávio Dino, que felizmente não recorreu a Lei de Segurança Nacional, como Sérgio Moro, o qual o fez para calar a boca do humilde porteiro do condomínio Vivendas, Alberto Jorge Mateus, que afirmara, no primeiro depoimento, que Élcio Queiroz, aquele que fez o acordo de delação premiada, ao se apresentar na portaria para encontrar Ronnie Lessa, no dia do crime, informou que iria à casa de número 58, de Jair Bolsonaro. Alberto Mateus, o porteiro, disse ainda que interfonou para o dono da casa e foi atendido pelo “seu Jair”. Esse fato da investigação ficou em segredo. Mas veio ao conhecimento público, o que fez com que o então ministro Sérgio Moro representasse ao procurador-geral da República, Augusto Aras, para que promovesse abertura de um inquérito contra o porteiro, com base na Lei de Segurança Nacional. Em seguida, ouvido pela Polícia Federal, o porteiro recuou da declaração dada.

Esses fatos deveriam ser investigados, à época, e não foram, apesar de os dois executores do assassinato de Marielle – Élcio Queiroz e Ronnie Lessa -, no dia da consumação do crime, 14 de março de 2018, terem saído do condomínio Vivendas, diretamente para matar a vereadora e ativista política. Como consequência de tudo que foi investigado, embora os caminhos para elucidar todo o iter criminis tenham sido obstruídos, a partir do aparecimento do nome de “seu Jair”, então deputado federal, resta ainda saber o essencial: Quem mandou matar Marielle? Os executores do duplo homicídio são meros instrumentos utilizados por quem esteja no ápice dessa pirâmide de assassinos. Com absoluta obviedade, esses assassinos não teriam nenhuma interesse pessoal na eliminação da vereadora. Foram contratados e pagos pelo cruel, hediondo e odioso serviço. Élcio Queiroz, agora protegido pelo Estado, estando em presídio de alta segurança, resolveu, por motivos que se desconhecem, delatar os fatos criminosos. Mas a pergunta mais importante não cala, persiste: Quem mandou matar Marielle?

E para ensombrear ainda mais o cenário macabro desse crime, houve assassinatos de criminosos integrantes do grupo, com evidente conclusão de queima de arquivo. Associando-se a esses fortes indícios, há uma resposta que Sérgio Moro, na sua desastrada atuação como Ministro da Justiça impossibilitou que o caminho das investigações a obtivesse. E esse esclarecimento, para se avançar até chegar ao ou aos mandantes, faz-se importante elucidar-se a razão pela qual, em 14 de março, horas antes do assassinato de Marielle, o porteiro, contra o qual Moro mandou abri inquérito para – vejam o absurdo – investigar crime contra a Segurança Nacional - escreveu no livro do condomínio que a entrada de Élcio, no Vivendas da Barra, tinha sido autorizada pelo “seu Jair”.

Reitero: certíssimo está o Ministro da Justiça Flávio Dino: a investigação desse bárbaro crime deve prosseguir até alcançar os ou o mandante. De um poema que, recentemente li, retirei esse belíssimo verso: “Tudo passa e tudo é”. O poeta ou a poeta está também certo: nada passa, tudo é. Aguardemos os resultados de toda a investigação. Os caminhos estão sendo construídos com passadas firmes e decisivas.
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