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15/07/2023 às 00h00min - Atualizada em 15/07/2023 às 00h00min

Crônica da Cidade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 

Um caso a ser lembrado 

Estava dando uma vista dolhos nos meus alfarrábios, que tenho por hábito armazenar em algumas pastas para futuras consultas, quando me deparei com esta chamada em letras bem destacadas: STF tem 5 votos para condenar Silas Câmara; Mendonça pede vista. Fiz uma ligeira leitura dos parágrafos introdutórios, para lembrar-me do fato que levou aos 5 cinco votos condenatórios e ao pedido de vista do Ministro do STF André Mendonça.

Na primeira parte, na lead da notícia, vem esta introdução esclarecedora: “Vista se dá dias antes da prescrição da pretensão punitiva, que acontece em 2 de dezembro. O deputado é acusado de se apropriar de salários de secretários parlamentares pagos pela Câmara para trabalharem em seu gabinete.” O pedido de vista se deu no dia 10 de novembro de 2022, ocasionando a indesejada suspensão do julgamento do deputado federal Silas Câmara, investigado pelo Supremo Tribunal Federal em AIJE (Ação de Investigação Judicial Eleitoral), pela conduta tipificada popularmente como rachadinha, ou seja, prática do crime de peculado (art. 312 do Código Penal). Com o pedido de vista do Ministro André Mendonça, o julgamento foi interrompido na iminência de ocorrer a prescrição da pretensão punitiva, o que levaria à extinção da punibilidade e do processo, embora, conforme os 5 ministros do STF, que votaram pela condenação do deputado federal Silas Câmara, empresário bem sucedido e pastor evangélico, tenha-se apropriado de verbas públicas, destinadas a pagamento de secretários parlamentares por ele indicados. Assim, por essa conduta escusa e individualizada na norma penal como crime de peculato, enfatizou o Ministro do STF Edson Fachin, o deputado Silas, dos Republicanos, já condenado pela maioria dos integrantes do colegiado, efetuava a indicação das pessoas previamente por si escolhidas, apropriando-se, criminosamente, por meio de depósitos ou transferência para sua conta corrente, da totalidade das quantias pagas aos assessores indicados pelo parlamentar.

Essa conduta delituosa, que tem sido a característica de nossos parlamentos, quer federal, estadual ou mesmo municipal, se tipifica com a participação de dois agentes: um denominado de nomeante, e o outro de nomeado (que pode ser um servidor fantasma, que recebe parte dos valores, mas sequer presta serviço). E como se aperfeiçoa no campo do Direito Penal? A jurisprudência, que é uma das fontes formais do direito, tem fixado entendimento, em sucessivos julgamentos, que o nomeante, aquele que indica o funcionário, aufere indevida vantagem em decorrência de servidores por si indicados, que podem ser fantasmas, ou apenas realizar atividades privadas para quem os nomeou, devendo estar comprovada a existência da vantagem indevida, revertida em favor do agente nomeante. No rumoroso caso do deputado federal Silas Câmara, o auferimento dessa vantagem ficou devidamente comprovada nos autos da AIJE, consoante os fundamentos dos 5 votos condenatórios dos ministros do STF, não havendo nenhuma necessidade do pedido de vista do Ministro André Mendonça. A única justificativa, do que se deduz dos fatos, consiste em que o deputado Silas integra o rol dos seguidores do ex-presidente Bolsonaro, além de pertencer aos Republicanos. Tanto que o Ministro Nunes Marques, que não consegue ver prova suficiente em situação alguma (a exemplo do que ocorreu na AIJE, cujo investigado foi Bolsonaro), votou, inaugurando a divergência, para absolver o deputado pastor por insuficiência de provas, para, logo a seguir, haver o pedido de vista do seu fiel aliado o Ministro André Mendonça. Acrescente-se que o Ministro do STF Dias Toffoli aderiu ao pedido de vista.

Tudo muito estranho. Um deputado federal processado por prática de peculato, seguidor de Bolsonaro e pastor de umas dessas igrejas protestantes, além de integrante dos Republicanos, partido de apoio irrestrito ao governo, sendo protegido jurisdicionalmente por ministros do STF, que foram indicados e nomeados pelo então presidente da República. Imaginem se o suspeitíssimo, corrupto e despreparado Moro tivesse chegado ao STF, carregando no lixo das suas costas a fama de caçador de corruptos, quais decisões brotariam da sua mente insana e de magistrado fascista?

Pois bem. Reli toda a matéria jornalística, ultrapassando a lead ora resumida. Constatei que os votos condenatórios foram claros ao examinar as provas que atestaram a conduta delituosa do deputado-pastor. Ademais, a ação tramitava desde do ano de 2010, sendo do conhecimento  dos ministros da Corte Constitucional. Em face do pedido de vista, os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Rosa Weber decidiram antecipar seus votos, acompanhando relator pela condenação do parlamentar.
Esclareça-se: o pedido de vista se deu porque não foi oferecido ao acusado o acordo de não persecução penal. E, conforme manifestação em contradita do Ministro Alexandre de Moraes, a oferta do acordo de não persecução teria como pressuposto a confissão do crime por parte do réu. Nada obstante esse fundamento do pedido de vista, consta que, no início do julgamento, a defesa do parlamentar disse que as provas apresentadas pelo MPF não eram seguras e que não poderiam ser usadas para condenar o réu por supostos fatos ocorridos há mais de 20 anos.

De início, deve ser ressalvado que o Ministro Luís Roberto Barroso se opôs a que fosse ofertado o acordo de não persecução penal. Mas, em face da iminência da prescrição da pretensão punitiva, o admitiu, com a seguinte ponderação jurídico-processual: “Embora entenda pelo não cabimento do acordo de não persecução penal após o recebimento da denúncia, as peculiaridades do caso concreto me levam a admiti-lo, em caráter excepcional. Diante da iminência da prescrição da pretensão punitiva, o acordo se apresenta como a via mais adequada para minimizar os prejuízos ao erário.” O acordo foi protocolado nos autos um dia antes da prescrição e foi homologado pelo Ministro Luís Barroso, que extinguiu a punibilidade. O deputado-pastor confessou a prática do delito de peculato e se beneficiou do acordo. Em decorrência, o então acusado de peculato, por suposta prática de rachadinha – desvio dos salários de funcionários comissionados na Câmara e uso de outros servidores públicos, por si indicados, para serviços particulares – aceitou pagar R$ 242 mil e, com isso, se livrar de uma possível pena de prisão. Ai se tem um caso emblemático que deve ser lembrado, para se ter uma ideia que desviar dinheiro público, pela prática de peculato, às vezes, por força da lei, é uma excelente vantagem pecuniária, sendo o autor do delito pastor ou não pastor – tanto faz – desde as ovelhas não se desgarrem do seu produtivo rebanho. Amém ou Aleluia!

* Membro da AML e AIL
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