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08/07/2023 às 00h00min - Atualizada em 08/07/2023 às 00h00min

Crônica da Cidade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 

Democracia e Ditadura – qual  a sua preferência? 

Não nos apressemos em responder. Vamos pensar um pouco. Examinar por que esses regimes de governo se excluem. Se for democracia, é democracia; e se for ditadura, não pode haver arremedo de democracia. Citemos a ditadura de 64, que tivemos a desventura de viver ainda bem recentemente. Alguns, como ocorreu comigo e muitos outros, viveram o drama de lutar pelo restabelecimento da liberdade, em toda a sua dimensão histórica, política e jurídica, independentemente de ideologia partidária: comunista ou democrata. Valia o fim a ser alcançado.

Gosto de citar a nossa Carta Magna, ao tratar de termas dessa natureza. O preâmbulo e o art. 1º da Constituição Federal, de 1988, declara, sem deixar qualquer dúvida, que a República Federativa do Brasil, formada pela união dos Estados, Municípios e Distrito Federal, constitui-se num Estado Democrático de Direito. E o faz com as letras iniciais em maiúsculo, para não deixar dúvida sobre o significado dessas instituições. O preâmbulo, logo de início, proclama que “nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional com a solução pacífica das controvérsias...”

Esses são os postulados estruturantes da República Federativa do Brasil, instituída e alicerçada num Estado Democrática de Direito. E a Lei Maior, regenciadora da nossa República Federativa, é a Constituição Federal, que deve ser respeitada, sem qualquer simulacro interpretativo de viés ditatorial, por todos nós brasileiros, isso a partir de quem preside a República, sem exclusão, independente do cargo ou função que esteja ocupando. A Constituição tem que ser cumprida, e quem a guarda institucionalmente, conforme ela própria prevê, é o Supremo Tribunal Federal, órgão que ocupa o ápice da nossa ordem jurídica constitucional.

Fora disso, é golpe; é ditadura.

O professor John Dunn, considerado um dos pensadores políticos mais influentes do pó-guerra, mestre da Universidade de Cambridge, na sua obra A História da Democracia – um ensaio sobre a libertação do povo, esclarece que “a democracia em Atenas surgiu das lutas entre ricos proprietários de terra e famílias pobres que tinham perdido ou corriam o risco de perder suas terras e que, portanto, estavam sob a ameaça de serem levadas a trabalho compulsório por dívidas acumuladas. Ela não surgiu, de forma direta e autoconsciente, por meio dessa luta em si, pela inquestionável vitória dos pobres contra os ricos, mas mediante uma série de iniciativas políticas que reconfiguraram a geografia social e as instituições de Atenas, dotando-as de uma identidade política e um sistema de autogoverno estruturado para dar expressão àquela identidade e defendê-la. A mais importante dessas iniciativas, as reformas de Sólon, foram trazidas a lume antes de Atenas ter se tornado, em qualquer sentido, uma democracia.” Deduz-se que, na origem dessa milenar instituição, a luta de classes é a sua força constitutiva, haja vista que a democracia almeja a consecução da igualdade e da liberdade.

Dunn, ao fazer referência a Tucídides, historiador grego, que cita o discurso de Péricles a respeito da democracia, enfatiza esta passagem sobre o conflito de classe que se estabelecia: “Para Péricles, como Tucídides o faz falar, a democracia de Atenas era um meio de a cidade viver unida em liberdade política, o que enobrecia o caráter e refinava a sensibilidade de toda uma comunidade. Ela proporcionava às pessoas uma vida repleta de interesse e satisfação e as protegia efetivamente nas relações de uns com os outros. Seria absolutamente descabido pedir mais do que qualquer outro conjunto de instituições e práticas políticas.” Assim, historicamente, quer a elite queira ou não,a igualdade era, e é, o termômetro de equilíbrio da democracia.

Noam Chomsky, crítico do sistema capitalista liberal, na sua obra Réquiem para o Sonho Americano – os 10 princípios de concentração de riqueza & poder, ao tratar da desigualdade nos Estados Unidos e no mundo, afirma que a história americana está atravessando o seu pior momento, e ressalta que “nos Estados Unidos, pregam-se valores como a democracia. Numa democracia, a opinião pública influencia as políticas governamentais e depois o governo executa medidas e programas determinados pela vontade da população. Esse é o verdadeiro significado de democracia. É importante compreender que setores poderosos e privilegiados da sociedade nunca gostaram de democracia por uma razão muito simples: a democracia põe o poder nas mãos da população e o tira dos privilegiados e poderosos. Esse é um princípio da concentração de riqueza e poder.” Na sociedade capitalista, como a dos EUA, vive-se a democracia burguesa, porquanto, embora o povo eleja seus representantes para o Executivo e Legislativo, as elites é que de fato detêm o exercício do poder.

E a ditadura? Sempre militar, mesmo que o ditador seja um civil. Assim a resume o jornalista Alex Solnik, em texto Ditaduras e Democracias, publicado em 02 de julho de 2023: “Ditadura é o regime político de um grupo de cidadãos que assaltam o poder à força e impõem seu governo ao povo. Os insatisfeitos com seus métodos, determinações ou legislações têm dois destinos: a cadeia ou o cemitério. Nenhum protesto, mesmo pacífico, é tolerado. Não há perspectiva de alternância de poder.” A elite adora a ditadura, desde que os seus interesses econômicos não sejam prejudicados; a pobreza fica ainda mais pobre, e é facilmente manipulada, na base de slogan tipo ame-o ou deixe-o, ou pátria amada, Na ditadura, não há justiça, e a lei é a vontade do ditador. E você, caro amigo ou cara amiga, qual a sua preferência?
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