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01/07/2023 às 00h00min - Atualizada em 01/07/2023 às 00h00min

CRÔNICA DA CIDADE

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 

O poder independente do Banco Central

Todos sabemos que o Brasil é uma República Federativa, a qual, conforme dispõe o art. 1º da nossa Constituição Federal, é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se num Estado Democrático de Direito, cujos princípios fundamentais estão elencados nesta norma introdutória da Carta Republicana: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. A origem do poder está no parágrafo único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Por conseguinte, o Banco Central, constitucionalmente, não é poder, portanto não é autônomo nem tem independência. Em estudo publicado no site Migalhas, na edição de 16 de fevereiro de 2023, o jurista Lenio Luiz Streck traz este sucinto esclarecimento, a respeito dessa idiossincrasia jurídica do nosso sistema financeiro-bancário, quando se refere a um artigo de Gilberto Bercovici, intitulado Sobre o Banco Central Independente: “Mas vinha coisa mais complexa pela frente: a tão falada autonomia do Banco Central (Lei Complementar 179, de 24 de fevereiro de 2021). Pela nova legislação, o presidente e a diretoria do Banco Central passam a ter mandatos fixos e não coincidentes com o mandato do presidente da República, que perde o poder de nomear e demitir os ocupantes dessas funções quando bem entender. Bercovici chama a essa entidade um “Frankenstein” na estrutura administrativa brasileira: uma autarquia não subordinada ao presidente ou a nenhum ministro, um órgão que paira no ar, sem vínculos, sem controles.” Daí decorre o grande problema da tão falada autonomia ou independência do Banco Central, cujas atitudes inarredáveis do seu presidente Roberto Campos Neto, ao fixar a taxa Selic em patamar altíssimo, vêm desagradando não só o governo do presidente Lula, mas o pessoal da Avenida Paulista, aquele mesmo que usou de todas as artimanhas para fazer o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Pasmem!, até mesmo Miriam Leitão anda descontente e tem afirmado que a taxa de juros de 13,75%, mantida pelo Banco Central, sob a batuta da equipe de Campos Neto, é o maior obstáculo à retomada do desenvolvimento econômico do Brasil. Mas... o presidente dessa autarquia financeira, que controla a taxa de juros (Selic), não está nem aí. Primeiro, deve ser ressaltado, não ocupa um cargo em que necessite do voto popular, ou seja, não exerce um mandato eletivo. E, numa outra justificativa, se os juros estão altos, devem ser do interesse dos banqueiros. Tudo parece levar as essas irracionais conclusões.

Por esses dias, resolvi adquirir um e-book do economista Murray N. Rothbard, em que o banco central (no caso, o norte-americano) é o epicentro da sua análise, cujo título da obra já diz tudo: Pelo Fim do Banco Central.  Em alguma passagem, na página 6, consta esta necessária indagação: “Afinal, uma democracia não depende do direito do povo de saber o que acontece no seu governo para o qual ele precisa votar?” Isso a dizer que os atos decorrentes da autonomia ou independência do Banco Central, seja o lá do Norte como o daqui do Sul, devem ser explicados ao povo que elege o seu representante. Em seguida, pondera Murray; “Se nenhuma pessoa ou grupo, sejam acionistas ou eleitores, pode substituir uma elite governante, então, para tal elite, torna-se mais cabível uma ditadura do que um país alegadamente democrático. E ainda é curioso quantos autoproclamados defensores da ‘democracia’, seja nacional ou global, correm para defender o suposto ideal da independência total do Banco Central.”

Lá pelas páginas 148-149, o economista Murray Rothbard aponta essa mazela da qual se origina a esdrúxula independência do BC: “O Banco Central e os bancos não são parte da solução para a inflação; em vez disso, eles são parte do problema. Na verdade, eles são o problema. A economia americana sofreu com a inflação crônica e com booms e quedas destrutivas, porque essa inflação foi invariavelmente gerada pelo próprio Banco Central. Esse papel, na verdade, é o próprio propósito de sua existência: cartelizar os bancos comerciais privados e ajudá-los a inflacionar o dinheiro e crédito juntos, injetando reservas para os bancos e resgatando-os se eles tiverem problemas.” Com razão. As crises se sucedem. É só lembrar o Banco Santos, de Edemar Cid Ferreira, falido em 2005, com uma dívida de três de bilhões de reais. Cria-se o famigerado PROER, no governo de Fernando Henrique Cardoso, para frear o desastre econômico. Pouco depois, em 2008, veio uma das maiores crises econômico-financeiras, de origem norte-americana, assim resumida: “Sendo o causador da crise financeira de 2008, os Estados Unidos foram palco da segunda maior quebra da história, ficando atrás somente da vivenciada em 1929, conhecida como a Grande Depressão. (...) Antes de chegar a uma situação insustentável, o governo até tentou segurar a onda. Primeiramente, o governo de George W. Bush liberou ajuda financeira às instituições do setor hipotecário, bancos e seguradoras. No entanto, pressões políticas rejeitaram garantias para ajudar na compra do Lehman Brothers pelo banco inglês Barclays.”  

Em que pesem todos esses graves problemas hermenêuticos, denunciados pelos estudiosos - juristas e economistas -, deve-se reiterar que a Constituição Federal não prevê a autonomia ou independência do Banco Central, embora o STF tenha admitido a constitucionalidade da LC 179/2021. Por esses fundamentos, ora referidos, fico com esta passagem de Lenio Streck no texto acima citado: “Não parece adequado à Constituição um organismo como o Banco Central autônomo, cujo presidente, sem mandato popular, sem legitimidade, estabeleça as diretrizes do desenvolvimento econômico. Porque, no fundo, é isso que acontece. O Banco Central manda mais que o presidente.”
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