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15/04/2023 às 00h00min - Atualizada em 15/04/2023 às 00h00min

Adeus ao Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
No dia 08 deste mês, aos 63 anos de idade, morre o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo de Tarso Sanseverino. Uma perda muito sentida para a magistratura brasileira. O Ministro Sanseverino integrava o STJ desde 2010, tendo sido indicado, no último ano do segundo mandato, pelo Presidente Lula. Era integrante da 3ª Turma, da 2ª Seção e da Corte Especial, tendo presidido a Comissão Gestora de Precedentes e foi o responsável por incentivar e viabilizar a construção de um sistema jurisprudencial mais robusto e adequado, a partir dos precedentes firmados pelo Superior Tribunal infraconstitucional.

Conheci o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino através dos seus votos, sobretudo quando se tratava de matéria atinente ao Direito do Consumidor. Ele era um mestre com “M” maiúsculo. Um estudioso de profundas reflexões não só acadêmicas, mas postas no exercício hermenêutico da solução dos conflitos. Na verdade, um estudioso, cujos conhecimentos eram respeitados por quem o ouvia, lia seus votos e pesquisava em seus livros.

O Ministro Sanseverino não tinha apenas e tão-só uma preocupação processual, tipo produtividade, mas se dedicava a estudar o Poder Judiciário, perquirindo soluções para melhorar a prestação jurisdicional. Nessa linha de conduta, como magistrado e preocupado com a solução dos conflitos, era um entusiasta do uso da tecnologia para melhoria da atividade das cortes brasileiras.

O noticiário do seu falecimento (diga-se, prematuro) faz algumas assertivas a esse respeito: “Em 2019, afirmou em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico que o Judiciário deveria se preparar para o impacto da inteligência artificial. À época, investia tempo na leitura de obras sobre o impacto imediato das novas tecnologias na sociedade contemporânea. Já em 2021, relatou ao Anuário da Justiça Brasil o interesse no impacto da epidemia de Covid-19 nas novas tecnologias. ‘Aquilo que ia acontecer talvez em dez anos acabou acontecendo em seis meses’, afirmou ele. O ministro entendia que o protagonismo recente do Poder Judiciário e sua maior exposição impuseram aos magistrados um maior controle social, o que gerou a necessidade de investir em diálogo e compreender essa nova realidade. Tanto quanto pôde, participou de eventos, palestras e seminários.”

Esse é apenas um aspecto do perfil contributivo, para melhoria da prestação jurisdicional, do Ministro Paulo de Tarso, falecido em plena juventude do saber jurídico. Falam, ainda mais, do seu brilhantismo no exercício da nobre função de magistrado estudioso e que tem uma visão clara do direito como fato social, ao associar a sua compreensão sob o respaldo intelectual da sociologia e da filosofia jurídica. Uma das suas participações contributivas foi no tormentoso caso da possibilidade de alteração do nome e sexo no registro civil de transexual. Essa sua posição reflete a sua preocupação jurídico-social com as mutações dos valores de nossa sociedade, mormente no âmbito ético-moral, que se sobrepõem a questões pertinentes à religiosidade. Assim, o Ministro Sanseverino, em julgamento da 3ª Turma, aderiu ao entendimento de ser possível alterar o nome e sexo que constarem no registro civil de transexual que não passou por cirurgia de redesignação sexual, por compreender se tratar de um significativo avanço jurisprudencial.

No dizer o direito, é preciso ter a visão humanista aberta para se perceber as mudanças. Movimentos sociais estão aí, atentos, indicando alguns caminhos a serem seguidos. O fato social, que é objeto da ciência do Direito, está em permanente mutação, como todos nós estamos como pessoa. O amanhã não é o mesmo hoje. A cada dia, nós lapidamos o eu que seremos depois. O Direito não pode ficar cego a essa realidade. O Ministro Paulo de Tarso teve essa visão aberta, cosmopolita, dessa sociedade em processo de contínua transformação. Soube como poucos juristas e magistrados interpretar e aplicar o Direito do Consumidor, dando sentido às normas contidas no CDC. Um dos seus julgados no STJ, o REsp 1199117, contribuiu para elaboração da Tese sobre a prática abusiva do envio de cartão de crédito, cuja redação foi fixada nos seguintes termos: “Constitui prática comercial abusiva o envio de cartão de crédito sem prévia e expressa solicitação do consumidor, configurando-se ato ilícito indenizável e sujeito à aplicação de multa administrativa. (Súmula n. 532/STJ).”

No julgamento do REsp, acima citado, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino adota esse magistério que serviu de suporte para formação da Tese supra: “1. O envio do cartão de crédito, ainda que bloqueado, sem pedido pretérito e expresso do consumidor, caracteriza prática comercial abusiva, violando frontalmente o disposto no artigo 39, III, do Código de Defesa do Consumidor.” E mais: “É cabível a condenação de administradora de cartão crédito na obrigação de não fazer consistente na abstenção de envio de cartão à residência do consumidor sem que haja solicitação prévia, ainda que se alegue que a simples remessa não implica contratação, mas mera proposta de serviço, pois tal conduta configura-se prática abusiva, contrária à boa-fé objetiva, sendo que os interesses do consumidor devem ser tutelados, inclusive no período pré-contratual, evitando o abuso de direito na atuação dos fornecedores no mercado de consumo com esse tipo de prática comercial.”

Esse um breve e rápido perfil de um magistrado humanista, que trouxe para o Judiciário o poder do seu conhecimento e o amor ao Direito e à Justiça, para servir uma sociedade que precisa se soerguer, com urgência, dos seus traumas, edificados pelo desamor, pelo desrespeito às instituições e pela valorização criminosa da violência.

O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino honrou, e honra, a Justiça brasileira. Descanse em Paz, que Deus o acolha entre os justos.

* Membro da AML e AIL
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