MENU

25/03/2023 às 00h00min - Atualizada em 25/03/2023 às 00h00min

19 de março de 1964 - Marcha com Deus pela Família e pela Liberdade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
Passaram-se 59 anos desse movimento, que pedia a intervenção militar e que gerou o golpe de 64. Mais de meio século, completado neste 19 de março deste ano de 2023. De lá para cá, muitas atrocidades aconteceram: perseguição, censura à liberdade de expressão, tortura, assassinatos nos porões da ditadura, Brasil ame-o ou deixe-o, AI-5, João Figueiredo, Médici, Costa e Silva, Castelo Branco, Ustra, torturador-mor, além de outras figuras, que a história lembrará nas entrelinhas, com algum desdém satírico.

Sobre essa famigerada marcha, liderada por religiosos, que clamavam pela intervenção militar, os blogs têm feito um resumo contundente do que ocorreu naquele idos tempos, em que a recorrente e espúria justificativa do comunismo era o bicho-papão que iria devorar as nossas criancinhas: “A Marcha com Deus pela Família e pela Liberdade, ocorrida em 19 de março de 1964, foi uma grande manifestação política e religiosa ocorrida no Brasil em 1964, que teve como objetivo mobilizar a população brasileira em apoio ao golpe militar que ocorreu naquele ano. A marcha foi convocada pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e outras organizações religiosas, contando com a participação de milhares de pessoas em diversas cidades do país. Os participantes da marcha defendiam a ideia de que a intervenção militar era necessária para proteger a democracia e a liberdade contra a ameaça comunista, que supostamente representava uma ameaça ao Brasil. No entanto, a marcha é amplamente criticada por ter apoiado o golpe militar e pela falta de respeito aos direitos humanos durante o regime militar que se seguiu. A marcha também é vista como um exemplo da influência política que as instituições religiosas tinham no Brasil na época e como elas se envolveram ativamente na política do país.”

Essa é a síntese histórica da famosa marcha, que ajudou substancialmente a pôr a pátria amada num longo período de exceção democrática e do Estado de direito, em que os direitos humanos foram vilipendiados, com encarceramento sem prática de qualquer delito, tortura e assassinatos. A lista é longo e dolorosa de ser lembrada. Mas as pessoas ainda insistem na prática dos mesmos erros. Em pleno estado de direito, não foram poucos os movimentos de falsos patriotas a pedirem a intervenção militar. O Brasil, desde a proclamação da República, criou uma cultura golpista: Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, cada um pior que o outro. Deve ser ressaltado que Floriano exerceu o poder de forma totalitária. E chegou a indicar para o Supremo Tribunal Federal um médico – Barata Ribeiro – e um general, ambos sem nenhuma qualificação intelectual para o exercício dessa nobre função de julgar e guardar a Constituição de 1891. O médico ainda exerceu por um ano a função de ministro do STF, e o general, ainda bem, ficou apenas como general.

Essa cultura do golpe que vem dos tempos bem remotos tem sido um problema sério para a normalidade democrática do Brasil. Os militares criaram o vício de introverter a ideia equivocada de que é um cidadão diferenciado e que, por isso mesmo, pode intervir nas questões de estado quando lhe der na telha. Como diz Machado de Assis, a verdade pode ser essa, mas sem ser essa. Militar é um cidadão ou cidadã com todas as prerrogativas de qualquer outro cidadão. Apenas é militar, como há o(a) médico(a), o(a) advogado(a) etc., devendo estar preparado quando convocado pelos poderes constituídos: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Não pode agir por conta própria. Para entender isso, basta abrir a Constituição Federal e fazer uma leitura a respeito normas que regulam os direitos e o seu exercício.

Recentemente, o general e senador Hamilton Mourão, que exerceu a função política de vice-presidente da República do governo antecedente, deu uma entrevista aos órgãos de comunicação, nos seguintes termos: “Título: Mourão afirma que Exército deve ser ‘temido’ e diz que Lula transforma militar em cidadão de segunda linha.” E mais - o cerne da notícia: “O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) reagiu ao plano do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de substituir militares na máquina pública por quadros técnicos qualificados para as funções. Segundo Mourão, Lula pretenderia tratar os militares como ‘cidadãos de segunda categoria’.”

Por que esse descontamento do senador Mourão, que é também general reformado? Fácil de entender. Quadros civis do governo do capitão Bolsonaro eram ocupados, na sua grande maioria, por militares, que recebiam o soldo e mais as benesses da ocupação de cargos civis. Pelo que se deduz, não havia uma preocupação em preencher esses cargos com técnicos qualificados. Exemplo desse absurdo: a lotação do atual deputado federal e general Pazuello como ministro da saúde, em plena epidemia da Covid-19. Foi um dos maiores desastres da história da saúde nesse nosso imenso Brasil. Qualquer enfermeiro ou enfermeira reuniam melhores qualificações para exercer o cargo de ministro, naquele momento que exigia do servidor público conhecimento técnico especializado.

O militar, como qualquer cidadão, não precisa ser temido, mas apenas ser respeitado, levando-se em conta as suas qualidades éticas no convívio social. Nem deve ser tratado como cidadão de primeira ou segunda linha. Deve ser tratado como cidadão, sem garantia de quaisquer privilégios.

O que pretende o presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Simples. E é que é o certo. Transcrevo o teor explicativo da notícia: “Objetivo do presidente Lula é fazer com que cargos públicos sejam ocupados por técnicos de qualidade.” Só isso, e apenas isso. Onde há o tratamento de segunda linha, devotado aos militares? Só na concepção corporativista do senador e general Mourão. Nem tratamento de primeira nem de segunda linha. Mas qualificar a ocupação dos cargos públicos por profissionais com conhecimentos técnicos. Essa é a pura e insofismável realidade. Nada além disso.

* Membro da AML e AIL
Link
Leia Também »
Comentários »