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18/03/2023 às 00h00min - Atualizada em 18/03/2023 às 00h00min

As Contradições da Grandeza do Brasil

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
O Brasil é grande em vários sentidos, e isso a partir do seu espaço geográfico. São 8.514.876km², cuja extensão territorial é a quinta maior deste planeta Terra. Por esse espaço imenso, há uma diversidade de clima, ora quente, ora muito quente, ora frio e ora muito frio, estando 92% do seu território encravado entre os trópicos.

Mas há outras grandezas que não geram surtos ufanistas dos brasileiros, e que consistem na extrema desigualdade, a caracterizar o modus vivendi do nosso povo. Nem fazem nascer o complexo de vira-lata, embora haja uns bem poucos com muito, ou quase tudo, e a maioria sem nenhum, conforme canta o poeta do samba Paulinho da Viola com o seu parceiro musical Elton Medeiros: “Uns com tanto / Outros tantos com algum / Mas a maioria sem nenhum / Essa história de falar / Em só fazer o bem / Não convence / Quando o efeito não vem / Porque somente as palavras / Não dão solução / Aos problemas de quem vive / Em tamanha aflição.” Esse samba, Maioria sem Nenhum, traz uma mensagem muito forte, a denunciar a nossa desigualdade, como já o fizera Zé Keti, em Opinião: “Podem me prender / Podem me bater / Podem, até deixar-me sem comer / Que não mudo de opinião / Daqui do morro / Eu não saio, não / Se não tem água / Eu furo um poço / Se não tem carne / Eu compro um osso / E ponho na sopa / E deixa andar.” E não se trata de conformismo. Mas de denúncia, de protesto, que partem de artistas populares que vivem e convivem com o drama da desigualdade. Da falta de uma educação libertadora. Revolucionária. Da ausência de saúde. Além da insegurança que se origina na falsa segurança que deveria ser prestada pelo Estado.

Paulinho da Viola e Elton Medeiros, no samba Maioria sem Nenhum, ressaltam nessa passagem a incessante busca pela solidariedade, quase sempre negada aos mais carentes: “Há muita gente neste mundo / Estendendo a mão / Implorando uma migalha de pão / Eis um conselho / Pra quem vive por aí a esbanjar / Dividir para todo mundo melhorar.”

Nesse nosso Brasil grande, há uma célebre frase do famigerado presidente Bolsonaro, o das joias principescas, que demonstra o seu desprezo por esse povo humilde e carente, que, na última eleição, felizmente, optou pela negativa da sua, com certeza, catastrófica reeleição. A frase: “A Covid-19 apenas encurtou a vida (de algumas pessoas) por alguns dias ou por algumas semanas.” Essa crueldade, dita por um presidente da República, num momento em que os familiares nem sequer se despediam dos seus entes queridos, no estertor do último suspiro, além de sofrer a ausência de vacina, expressa uma tortura verbal coletiva, a atingir os menos ufanistas.

Mas, ainda assim, não se conformando e atendendo ao sadismo dos seus fanáticos e obtusos seguidores, chegou ao disparate de lunático ensandecido, ao afirmar: “Muito do que tem ali é muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propaga.” Ou, acrescente-se, mais esta brutal grosseria: “O Brasil tem de deixar de ser um país de maricas.” Com fundamento nessas concepções imbecis, que atendiam aos interesses fundamentalistas dos idiotas ufanistas, as mortes foram se sucedendo e as covas se abrindo como depósito dos corpos das vítimas da Covid, sobretudo dos mais humildes, que necessitavam da assistência médico-social do Estado brasileiro, negado por Pazuello, eleito deputado federal pelos ufanistas imbecilizados, com o apoio destruidor do presidente das joias desviadas da Receita Federal.

Sigmund Freud, o primeiro psicanalista, que revolucionou a análise das contradições interiores do ser humano, tem uma frase, que talvez explique essas loucuras do presidente adorador e colecionador de joias raras. Vamos à frase de Freud: “O paranoico ama o seu delírio quanto a si mesmo.” Esse narcisismo deletério deixou para este Brasil grande, do bioma amazônico, em desmatamento criminoso, uma herança autoritária e de absoluta desordem, que vem se disseminando a olhos vistos nas nossas atuais distopias sociais. O Brasil solidário, respeitador e civilizado, tem sido vítima dessas contradições deletérias.

Tanto que, quer queiramos ou não, a pergunta a desafiar uma imediata resposta, cuja investigação para encontrá-la, foi ilicitamente boicotada, é esta: Quem contratou a morte de Marielle? Sabe-se – pelo menos vieram a público esses fatos – que um dos assassinos era vizinho do mesmo condomínio do presidente antivacina e que houve participação de policiais militares, inclusive na queima de arquivo. Num Brasil de tanta grandeza, mas de tanta desigualdade e de desrespeito à ordem jurídica constituída, não se pode admitir a omissão do aparelho investigativo do Estado, em elucidar fatos dessa natureza para proteger os mais escusos interesses, quer sejam de milicianos, ou de quem tenha o domínio dos milicianos.

A questão é: estamos ou não numa República, em que investigados e vítimas são iguais perante a lei? Ou vivemos num retrocesso representado pelo poder dos mafiosos, que estruturam o seu próprio estado, sob o comando de quadrilhas de malfeitores?

A meu entender, enquanto prevalecer, neste nosso Brasil grande, essa brutal desigualdade, que nos apequena cada vez mais, não há como se exercer a democracia na sua plenitude. Teremos sempre um capitão, um coronel ou um general na espreita, como salvador da nossa pátria amada. Ou, ainda, tem-se a eleição de gente da estirpe democrática de um Tiririca, Damares, Sales, Pazuello e outros tantos, que não sabem nem o que seja democracia e muito menos o que seja Estado de direito. Como corrigir essas graves distorções? Educação, educação, educação; saúde, saúde, saúde; segurança, segurança, segurança. Mas, acima de tudo, educação renovadora, transformadora, revolucionária, em que o pobre, no mesmo patamar de qualidade que privilegia o endinheirado, possa discutir os problemas brasileiros, sem patriotada, ou qualquer freio de caráter religioso. De outro modo, a elite continuará entendendo que o trabalhador é, sobretudo, um escravo. Sem direitos, sem justiça, sem alternativas de vida, a não ser submeter-se a servilidade de um mundo de opressão do mais forte.

* Membro da AML e AIL
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