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09/07/2022 às 00h00min - Atualizada em 09/07/2022 às 00h00min

Felicidade ou morte

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]


  
Felicidade ou morte: é só um título, para dar início a esta nossa conversa; não é uma alternativa. Portanto, não há que se preocupar em ser feliz ou morrer. O que ocorre é que estava fazendo uma rápida leitura do livro de Clóvis de Barros Filho e Leandro Karnal, cujo título é Felicidade ou Morte. Os dois pensadores constroem a narrativa através de um interessante diálogo, do qual me despertou o interesse a parte em que a felicidade é o tema central da conversa mantida entre ambos. Mas, antes de fazer referência ao teor do diálogo, fui, por curiosidade, buscar algumas definições do que seja felicidade, ditas alhures por autores anônimos e identificados.

Vamos a algumas citações:

“Felicidade não se compra, mas se conquista diariamente com pensamentos positivos!”;
“Não faça da felicidade um objetivo, mas sim um modo de vida.”;
“Mais importante que encontrar a felicidade é aprender a ser feliz sem depender de algo ou alguém.”;
“Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade.”

Esta última é do poeta mineiro de Itabira, Carlos Drummond de Andrade, que traduziu a felicidade nos seus poemas, ou como a impossibilidade de encontrá-la, dedução essa a ser feita dos poemas "Quadrilha" e "No Meio do Caminho", em que o poeta que foi ser gauche na vida, assim fala do amor e das contradições de buscar a felicidade:

“João amava Teresa que amava Raimundo / que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili, / que não amava ninguém. / João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, /Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, / Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes / que não tinha entrado na história.” – “No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho / tinha uma pedra / no meio do caminho tinha uma pedra. / Nunca me esquecerei desse acontecimento / na vida de minhas retinas tão fatigadas. / Nunca me esquecerei que no meio do caminho / tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho / no meio do caminho tinha uma pedra.”

Difícil saber-se onde está a felicidade, se no amor, ou se na superação da pedra do meio do caminho. Mas, no Poema de Sete Faces, já na primeira estrofe, o poeta de Itabira afirma que, quando nasceu, um anjo torto, desses que vivem na sombra, lhe disse: Vai, Carlos, ser gauche na vida. E aí ele segue olhando a vida e, na última estrofe, traduz um sentimento de quase felicidade: “Eu não queria te dizer / mas essa lua / mas esse conhaque / botam a gente comovido como o diabo.” O que não quer dizer que seja um sentimento de ausência. É poeta quem diz: “A ausência é um estar em mim.”

No diálogo sobre a felicidade, Clóvis de Barros, apegado a uma racionalidade filosófica, se distancia do sentimento do poeta, mais humanizado pelo lirismo dos versos, e afirma que, a seu ver, felicidade é muito mais conhecida pela sua ausência do que pela sua presença. E esclarece: “...por esta razão, é muito comum na história do pensamento que se fale em busca da felicidade. Havendo busca, é porque ela ainda não está; permanecendo a busca, é porque ela continua não estando; consagrando-se a busca, é porque, talvez, ela não apareça nunca.” Das suas palavras, ergue-se a inexorável dúvida: felicidade é um sentimento existencial passageiro, de insensível e curta duração, ou, parodiando Vinícius de Moraes, é eterna enquanto dure? Amar é ser feliz, ou amar é só amar? Felicidade é falta, ausência, presença, é um sentimento que nos induz ao retorno do que foi?  Ainda no diálogo, Leandro Karnal se manifesta dizendo que “felicidade sempre pressupõe uma essência antes da existência, um ideal antes de uma prática”. Ou, acentua: “sempre pressupõe algo que é projetado em vez de algo que é vivido”, e assim conclui: “felicidade quase sempre é definida exaustivamente na medida em que ela não pode ser vivida”.

Dir-se-ia que essa conversa, com a devida intromissão do poeta Drummond, é papo de filósofo, que não leva a lugar nenhum. Veio-me à interrogativa massa cefálica esta indagação: o dinheiro traz felicidade? A meu ver, pode até trazer consigo despreocupação em satisfazer as dívidas, sobretudo as doloridas e impagáveis com as instituições financeiras. Mas... felicidade? É um estado d'alma. Passageiro. Quase insensível, a nos escapar pela egolatria de ter em vez de sobrepor o sentimento de ser – ser humano, ser pessoa, ser finitamente pessoa, como passageiros que somos desse paraíso de contradições onde vivemos e fenecemos. Felicidade é ser. Apenas ser o que somos. Um quase nada, neste mundo de deuses e semideuses.
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