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25/06/2022 às 00h00min - Atualizada em 25/06/2022 às 00h00min

Noite de São João: olho pro céu, meu amor

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
A noite vem chegando de mansinho. Ver o tempo é um modo agradável de passar o tempo. Que passa, roçando-nos como a brisa que vem do mar. Ainda tenho essa mania antiga de olhar pro céu, pra ver se as estrelas brilham e piscam, como a nos convidar para um passeio celestial. Todo esse sentir parece sentimento nascido de um romantismo vulgar. É a mania de bisbilhotar o infinito. Arraiais pra todo lado, não é? – pensei.  Tenho ficado por aqui a inspirar-me, olhando pro céu, como a música do Gonzagão. Ainda não vi nenhum balão multicor. Nem fogos. Nem fogueiras de São João. Ouço uns batuques pro rumo dali. Parece que pra lá a fogueira tá queimando. Alguém rebateu, com incredulidade: - Não, não tem fogueiras. É só música e dança. Forró de pé de serra, e a voz aguda de uns sertanejos. E as fogueiras? insisti em perguntar. Nada, garantiram-me. Fico por aqui, emperrado, mas ansioso para sentir o crepitar das fogueiras e ver o povo soltar fogos: chuveiros, pistolas, busca-pés, ou umas estrelinhas e o zoar das bombinhas de São João. Ah! que história é essa, foi-me dito num coro de ceticismo. Ai, ai, São João, São João do Carneirinho. Plantar o milho verde no dia de São José. Isso é baião. Gonzaga gostava dessas coisas líricas. Lindas, não?! É isso, tem razão. E por isso mesmo, olho pro céu, pensando nos amores jurados no passar das fogueiras, armadas no cair da tarde e acesas no comecinho da noite. Um fogaréu, de porta em porta. Os fogos queimando. As crianças repetindo as toadas de Luís Costa e Danavó. O boizinho de cofo. O maracá chocalhado com as pedras nas latas velhas e retorcidas. A toada cantada e repetida. Era noite de São João.

Olho pro céu. A fogueira precisa queimar, antes do xote começar. Todos dançando. Luiz com Yaiá. Ivo do seu Zé com Ivonete da Sinhá. Claudete com Aiá. José de Eurico com Maria de Dadá. A fogueira vai passando, e todo mundo passando a fogueira. É o compadre com a comadre. É o primo com a prima. É o namorado com a namorada. E o noivo com a noiva. A fogueira acende o pavio dessas amizades, que se estendem no infinito do tempo de amar. O brilho do fogo não se arrefece, sob o ardor da fogueira de São João. Olho pro céu. A lua passa bem devagar. Quieta, iluminando a alegria da noite de São João. As estrelas piscam sem cessar, e nos chamam pra dançar, bem juntinhos, com a mão no coração. O improvisado pedaço de madeira por cima das labaredas, como sinal de eterna união, alia-se à voz de súplica aos céus: São Pedro, São Paulo, São Felipe, São Tiago, quero que Sinhá seja minha comadre. Passa uma, passam duas, passam três vezes. De lá pra cá, daqui pra lá. Pronto, comadre. Pronto, compadre. O aperto de mão firma o compromisso de uma amizade que nem a morte consegue matar.

Olho pro céu. E caminho pelas ruas. As fogueiras queimando. As crianças pulando. O chocalho rústico da lata velha marcando o ritmo da toada dos cantadores, e repetida até a fogueira acinzar. O menino fantasiado de boi, coberto por um cofo, rasgado na frente, para que não tropece na rústica dança em volta do fogo. Olho pro céu. E contemplo todas essas noites de São João, a trocar conversa comigo mesmo. Os arraiais incendeiam de cantos e alegria. Fico, a olhar pro céu, e vejo que ele está lindo, como se cada estrela fosse uma fogueira de São João, num pisca-pisca alucinante. Saio do passado, e, tresloucado, olho pro céu, meu amor, e vejo que ele está lindo. Danço o baião, danço o forró, danço o xaxado, danço todas as canções de Gonzaga, Zé Dantas e doutor Humberto Teixeira, e danço todos os cantos de todos os Sãos Joãos, e subo e desço a rua do meu sonho, para ver o boi de matraca e deleitar-me de felicidade com poesia do caboclo, sacudindo o maracá e, num repente, como um menestrel, cantar a doce toada numa récita poética encantadora. Olho pro céu. E, na poesia desse canto, danço com Yaiá, danço com Sinhá, e ainda danço com Raqué. São noites de São João. Por isso, olho pro céu, meu amor. E me vem o canto da saudade:

Ai que saudades que eu sinto
Das noites de São João
Das noites tão brasileiras nas fogueiras
Sob o luar do sertão
Das noites tão brasileiras nas fogueiras
Sob o luar do sertão
Meninos brincando de roda
Velhos soltando balão
Moços em volta à fogueira brincando
com o coração
Eita, São João dos meus sonhos
Eita, saudoso sertão, ai, ai
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