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12/03/2022 às 00h00min - Atualizada em 12/03/2022 às 00h00min

SEMANA DE 1922

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
De logo, advirto: não sou crítico literário. Apenas sou um leitor da nossa literatura. E o faço isso, como se fosse um monge, há muitos anos, ainda quando me faltavam recursos para adquirir as obras. Vem-me à lembrança a revista O Cruzeiro que trazia, do ladinho de suas páginas, cupom que, quem tivesse interesse no livro, preenchia-o, envelopava-o, subscritando-o, sem necessidade de código postal, e o enviava pelos Correios e ficava à espera, na expectativa de que um dia chegaria. Quando? Teria que ter paciência. Passadas semanas, e até meses, eis que o aviso dos Correios aportava à residência. Numa linguagem simples, sem quaisquer subterfúgios, dizia: a sua encomenda está aguardando em nossos depósitos. Prazo: ou quinze ou dez dias. Se tivesse dinheiro, ia logo. Pegava o bonde na praça do Cemitério e saltava na parada do abrigo. Pertinho dali, os Correios. Pagava e recebia a minha desejada encomenda. Por esse método tradicional, fui construindo a minha biblioteca. Quase não mudou, os Correios continuam prestando esse serviço para a educação e cultura brasileiras, a não ser para os leitores de e-book, kindle e outras coisas mais moderninhas. Com muita dificuldade, estou tentando me adaptar a esses novos instrumentos tecnológicos. Sou ainda daqueles que gosta de manusear o livro, riscar e fazer as minhas anotações. E ainda marco as páginas, que me interessam. Antes, não havia essa necessidade. A mente resolvia esse problema. Mas, confesso, ainda não entreguei os pontos.

100 anos da Semana de 22. A sociedade estava a viver um momento de grandes mudanças: social, econômica e estética. Sobre o tema, li vários textos e livros. Um deles organizado por Yussef Campos, um professor mineiro de Juiz de Fora. O nome da obra por ele organizada: Mário de Andrade Inda Bebo no Copo dos Outros – Por uma Estética Modernista, na qual o autor de Macunaíma faz comentários sobre os poetas parnasianos, algumas das vítimas estéticas do modernismo de 22. Volto a esses comentários mais adiante.

Como escreveu Tales Ab’Sáber – 1922, o mundo é aqui, o mundo não é aqui: “Eram os futurismos e os dadaísmos, renomeações de choque do próprio mundo central europeu em plena dissolução, ações que incorporavam como nova tradição inventada os já passados impressionismos, cubismos, atonalidades, versos livres, instantaneidade, fluxos de associação, que tinham raízes na modernidade do século XIX e sua consciência mais radical. Uma modernidade produzida em movimento, do problema da pintura da vida moderna, flores do mal avançadas do quadro de tensões entre representação e transformação social acelerada, catastrófica, iluminações de nova civilização repressora burguesa e de mercado fetichista, como então observou o modernista Walter Benjamin, da grande liberação de forças humanas e técnicas, e da energia de contenção destrutiva da guerra social sempre presente.” O mundo transformado, e a Semana de 22 rompia com a estética fechada, da arte pela arte, para a absoluta liberdade da criação artística.

Estabeleceu-se um descompasso com essas novas ideias e o conservadorismo de um Brasil rural e aburguesado por uma pensamento passadista. Ab´Sáber acentua esse aspecto: “Um Brasil paulista com traços sociais fundos do velho ruralismo, a ampla formação político econômica colonial escravista, na concepção das raízes do caso descritas como ainda por serem revolucionadas já nos anos 1930 pelo modernista Sérgio Buarque de Holanda. A novíssima metrópole do pais que acelerava a sua transformação parecia ainda não ter ouvido falar que o lugar histórico que comprava toda a sua produção mundial, já há muito, passava por outras chaves fortes de representação artística, e de ação social.”

No curso desse movimento artístico, que se perpetua no tempo, o Manifesto da Poesia Pau Brasil, na abertura, acentua que “a Poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos. O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo.” No Manifesto Antropófago, é dito: “Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.” Mais adiante: “Queremos a revolução Caraíba. Maior que a revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem.” No Pau Brasil, o combate ao gabinetismo, e a língua sem arcaísmo, sem erudição.” A Poesia nos fatos. Nas favelas. Nas palafitas. Sem condescendências com as musas. Mário de Andrade, integrante do núcleo pioneiro de 22, se refere à musa de Francisca Júlia, poeta parnasiana, de menor inspiração, a Raimundo Correia, um orféu, que encanta na primeira audição,que, a seguir, o desilude, com a sua preocupação do verso de ouro, e a Olavo Bilac, um dos bons poetas brasileiros, mas Mário não o considera um dos maiores, por não comovê-lo.

A Semana de 22 revolucionou, e ainda revoluciona. O Tropicalismo teve muito da sua influência, a contribuir, em contraposição à bossa nova, com uma nova linguagem musical. Cem anos, sem gabinetismo poético.

* Membro da AML e AIL
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