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25/12/2021 às 00h00min - Atualizada em 25/12/2021 às 00h00min

O menino Gabriel, o lixão e a árvore de Natal

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

  
A cena é grotesca: a caçamba de lixo, a despejar os dejetos, sujeira fétida por todo lado, urubus, fazendo a limpeza daquela podridão, com a avidez de sua carência famélica e para cumprir a missão que a natureza lhe deu: limpar a carniça podre que infesta esses lugares, onde a negra ave carniceira e os famintos matam a fome. Com destaque, na mórbida cena, a imagem do menino negro Gabriel, a contemplar, com ligeiro ar de alegria, uma árvore de Natal retirada de uma sacola plástica. Embora considere a cena grotesca, cruel, desumana, mas, infelizmente, um standard da sociedade atual, pensei apenas que a falta de humanismo e de fraternidade já não revolta as pessoas. Essas, indiferentes, vivem seus próprios interesses. Talvez por isso Cristo e Marx incomodaram e ainda incomodam. Só que, em relação a Cristo, o seu nome é artificialmente usado para enriquecer empresas religiosas, que transformam seus líderes em oportunistas para usufruírem das benesses do poder, haja vista o que vem ocorrendo no Brasil de hoje, onde o notável saber jurídico, para ser conduzido ao Supremo Tribunal Federal, passou a ser um desvalor dirigido e calculado, transfigurando-se em proteção a interesses escusos, confessáveis e confessionais, sob o manto de um farisaísmo tão pecaminoso quanto fora o da época em que Cristo esteve entre nós.

Sejam espectadores desta cena, retratada nesta foto:

Gabriel é um menino de 12 anos de idade que estava catando lixo quando encontrou uma árvore de Natal; as imagens viralizaram na internet.
 
A legenda da foto diz pouco. Mas a foto, como disse acima, antes de transportá-la até aqui, diz muito do Brasil atual; o lixão, os urubus, a matarem a fome, o carro de lixo, despejando os dejetos e o menino Gabriel, cuja “profissão” é de catador de lixo, a exibir o seu troféu – uma rústica e desgastada árvore de Natal. Essa foto, como diz a legenda, viralizou e tomou contornos públicos. Aí, pasmem, foi-se saber o óbvio: que o menino Gabriel é pobre e mora numa casa de barro, sem qualquer estrutura, num bairro do município de Pinheiro. Seguiu-se uma grande repercussão na inrternet. E muitos se arvoraram a fazer análise sociológica, como: a realidade de Gabriel é um retrato da miséria e desigualdade vividas no Brasil.

Pois bem, meus senhores e minhas senhoras, não precisa ser sociólogo, antropólogo, ou qualquer especialista em qualquer logo, para se concluir que essa cena, que expõe a figura do menino Gabriel faz parte do nosso cotidiano. É só sair de dentro de casa, do varandão dos apartamentos, ou dos condomínios de luxo, e dar uma voltinha pela cidade, que se encontra de frente, sem subterfúgio, a miséria e a desigualdade, que dia a dia aumentam a olhos vistos. Não vê quem não quer, ou finge não ver. Gabriel teve a desdita de ter sido flagrado em seu local de trabalho, um lixeiro, sob o cerco de urubus, em vez de estar numa escola. Mas não há só Gabriel, catador de lixo. São milhares, milhões de Gabriel. Sem escola, sem comida (isso quer dizer passando fome, ou fazendo de conta que come), todos vítimas de famílias destroçadas pelo desumanismo que se estar a viver.

E que se faz, ao flagrar-se essa situação? Em vez de protestos veementes, como fazem as poderosas empresas, quando querem desoneração ou flexibilização de direitos trabalhista, adotam-se medidas paliativas, e, como Pilatos, lavam-se as mãos. Organiza-se uma simpática e descompromissada vaquinha, compra-se árvore de Natal para Gabriel, Além de outras ações, sem nenhuma relevância social para mudar este estado de guerra em que vivemos, cuja causa é a miséria e a desigualdade. Com a ausência desse ativismo social, damos o nosso silêncio conformista como resposta. E a criminalidade passa a fazer parte do cotidiano desta sociedade, como uma alternativa de escape, de sobrevivência. Outra solução enganadora: consiste no uso da força, da violência, das chacinas praticadas pelo Estado, que aplica rotineiramente a pena de morte, embora Constituição Federal diga que, em nosso sistema, é proibida. Todos os dias as instituições que representam o Estado brasileiro matam. Massacram. O pior: sem conceder o direito de defesa. E a origem está na miséria e na desigualdade do menino Gabriel.

Muitos adoram esta situação de indignidade. Mas uma verdade absoluta: não se combate, em lugar nenhum do mundo, nem hoje nem nos tempos mais antigos, a criminalidade praticando outro crime, recorrendo-se ao uso da força, ao assassinato, como se faz no Brasil, e diariamente. Violência produz violência.

Vejam esta outra também grotesca foto:

Suspeito é algemado em moto da PM e arrastado em avenida da zona sul de São Paulo.

Denota o exemplo trágico da animalização do ser humano. O mais trágico ainda é o comentário do espectador, já animalizado na sua desumanização cotidiana: "’Olha! Algemou e está andando igual a um escravo. Vai roubar mais agora’, afirmou o homem em meio a risos.” Dessa sarcástica afirmação chega-se a essa inarredável conclusão: - Vai continuar roubando, matando, traficando, usando droga, pois esta é a única opção que a sociedade lhe dá.
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