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13/11/2021 às 00h00min - Atualizada em 13/11/2021 às 00h00min

Sem saudosismo, mas com saudade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
Eram chamadas bancas de jornais e revistas. Quem gostava de ler a notícia impressa, se não comprasse o jornal de sua preferência com o jornaleiro, teria que se socorrer das bancas, que ficavam localizadas em alguns pontos da cidade: Praça João Lisboa, Deodoro, Monte Castelo, Praça do Cemitério, depois, com o passar do tempo, e a expressar os sentimentos daqueles que estão em descanso eterno, Praça da Saudade. E, nesta cidade de Imperatriz, a tradicional banca do Chico, onde se processavam os grandes debates políticos locais e nacionais.

Tive uma boa parte da minha em vida em jornal. Das oficinas, revisão e na reportagem. Antes de conhecer as técnicas avançadas para época, hoje rudimentares, de fazer jornal, fora um garoto encarregado de ficar na janela aguardando a passagem do jornaleiro, que despontava no alto da Belira, a anunciar as manchetes do dia, com o objetivo, ainda que de um marketing oralizado, e pela força do seu grito e insistência na repetição, vender o produto - a notícia quente, mastigada pelo repórter e estilizada em algumas redações. Quem matou quem. Como matou. Porque matou. Detalhes do crime que eram dados pelo jornal, a partir da primeira página, modernamente denominada, numa outra linguagem técnica, de capa. A primeira página sempre foi a última a ser feita. Até porque podia haver algo mais atraente e interessante, que pudesse ser a manchete, ou uma chamada de destaque a atrair o leitor ávido por notícias escabrosas ou sensacionalistas, que sempre contribuíram para o esgotamento da edição, às vezes, mas nem sempre, havendo necessidade de uma segunda tiragem.

Nesse sem saudosismo, mas com saudade, desde menino convivi com a leitura do jornal impresso, ora da janela, aguardando a passagem do tradicional jornaleiro até mais adiante quando também, por força da necessidade e da vida, contribui para que os jornais chegassem às bancas, ou às mãos do vendedor ambulante, uma espécie de mascate da notícia, que fazia sua caminhada de bairro em bairro e de rua em rua, para levar a notícia quentinha, esmiuçada, detalhada, ao leitor sequioso de conhecer fatos e fazer comentários em detalhes criativos com o vizinho.

Em São Luís, bem antes de ter outras bancas na Praça João Lisboa, havia a de Messias Perusa (creio que é esse seu nome, pois era conhecido como um grande dançarino de gafieira, muitas vezes fazendo grandes demonstrações do seu talento na boate Bela Vista, na famosa Rua 28, freqüentada pela elite desta colonial e amorosa cidade, de muitos amores, inclusive os clandestinos). Mas voltemos à banca do Messias.

Abrigo novo, morto recentemente pela revitalização. Noite adentro. Muitos tomando o seu cafezinho e conversando, a aguardarem pacientemente a chegada dos jornais do Rio – Globo, Última Hora, Correio da Manhã, Estadão (SP) e JB. Por volta das 11 horas da noite, o Hirondelle passava na sua trajetória para o aeroporto Cunha Machado. O som do seu possante motor era bem característico e logo identificado por todos. Era ele, o Hermes mensageiro de uma época, com as novidades de uma leitura diferenciada, em que se destacavam os cadernos sobre esporte e cultura, além das notícias do outro mundo, ainda desconhecido na sua inteireza para muitos, que apenas ouviam falar.

Em pouco tempo, os jornais estavam na banca do Messias, bem ao lado do cinema Roxy, esquina com a Rua Grande, nas imediações do abrigo, onde algumas vezes vi o poeta Bandeira Tribuzi e outros intelectuais e jornalistas na espera das notícias desses veículos de comunicação impresso e, ainda, quer queiram os modernistas ou não, necessários, para que se possa fazer uma leitura reflexiva sobre as questões que são objeto das mais variadas notícias, que o jornalista tem o poder e o dom de transmitir. Lembro, quando fui repórter do Diário de Notícia do Rio de Janeiro, e ainda um foca, fui encarregado pelo secretário para cobrir uma entrevista que seria dada pelo famoso pianista Jacques Klein e o maestro Isaac Karabtchevsky, na Sala Cecília Meireles, na Lapa. E o secretário recomendava que essa reportagem iria ser publicada no caderno especial, que tratava de arte clássica, cujo maior interesse era da condessa, dona do jornal. Fui, preocupado. Dois astros internacionais da música clássica, que iriam se submeter às perguntas de repórteres setoristas de todos os jornais do país. Fiquei na defensiva. As perguntas eram feitas e eu anotava as respostas. Chegando à redação, fui, com todo o cuidado, elaborar o texto. Parece que deu certo. Até hoje não recebi qualquer reclamação, mesmo porque os jornais tinham copidesques, que rebuscavam editorialmente à notícia.

Sem saudosismo, mas saudade, as bancas de jornais e revistas estão desaparecendo e passando a vender outros produtos: picolés, bombons, sanduíches e outras bugigangas. Em defesa dos jornais e dos jornalistas, os antigos jornaleiros deveriam e devem voltar. Seria esta a grande novidade, para dar, quem sabe, um charme diferente a esse mundo da virtualidade. Pelo menos, seria outorgada uma missão honorífica a esses garotos e muitos pais de família que estão no mundo do sem eira nem beira. É uma sugestão, antes que tudo se acabe.

* Membro da AML e AIL
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