MENU

23/10/2021 às 00h00min - Atualizada em 23/10/2021 às 00h00min

É o pão! E com esta sustança só pode ser do Campelo

O vendedor de ovo de égua - Causo XIX

JAURO GURGEL

JAURO GURGEL

JAURO José Studart GURGEL, durante muitos anos Editor Regional de O PROGRESSO, em Araguaína (TO),

*Republicado a pedidos
**Publicado originalmente em 28 de dezembro de 2014

 
Um dia desses, estava eu a caminhar despreocupadamente por uma das principais vias públicas de Araguaína, para ser mais preciso a Avenida Cônego João Lima, nas proximidades da Rua Dez, no Setor Entroncamento, quando avistei dois senhores de uma certa idade, com certeza mais de oitenta anos, que conversavam amistosos e animadamente. Aproximei-me de ambos e ouvi que eles rememoravam a Araguaína de antigamente.

“O meu divertimento predileto, quando criança, era ver os tratores rasgando a mata para a construção da Belém-Brasília”, dizia um deles, bastante emocionado, enquanto o outro, já com os olhos umedecidos pelas lágrimas, falava que preferia banhar nas águas do Córrego Neblina, que corriam limpas e cristalinas, cortando a cidade.

Um dos cidadãos segurava nas mãos de uma criança do sexo masculino, de aproximadamente 4 para 5 anos de idade, que atento e educadamente ouvia a conversa entre os dois. Aquela cena me causou uma surpresa bastante agradável, pois é muito difícil, quase que impossível, se observar nos dias atuais uma criança naquela idade quietinha e bem comportada a escutar o “conversatório” dos adultos. Aliás, até que ela estaria certa em se comportar mal nestas situações, pois o que interessa para uma criança ouvir a conversa chata e enfadonha de dois coroas saudosistas?

Também impressionado pela educação e o bom comportamento do garoto, o outro bateu no ombro do que segurava a criança e fez o seguinte comentário: “Meus parabéns! O teu bisneto é muito bem educado!”.

Foi uma ofensa para o que ouviu o comentário, que respondeu em um tom de certa agressividade: “Que é isto? Tu tá me ofendendo. Este garoto não é meu bisneto”. E o outro nem deixou ele continuar falando, tentando consertar a gafe cometida. “Pois me desculpe! O teu neto é muito bem educado”.

A emenda foi pior que o soneto. O outro, já com as veias da goela inchadas de tanta raiva, gritou bem alto, que quase todo o povo que passava nas redondezas ouviu: “Ele é meu filho, ouviu!?”. E repetiu mais uma dezena de vezes: “Ele é meu filho! Ele é meu filho!”.

O seu companheiro de conversa arregalou os olhos e, como um incrédulo, ousou perguntar qual o remédio milagroso para ele, com mais de 80 anos de idade, ainda ter um filho de 4 a 5 anos. Aliás, esta mesma pergunta eu, que presenciava o diálogo entre os dois, fazia aos meu botões: “Será viagra? Ovo de codorna? Catuaba? Abacate?”. O interessante é que, a cada pergunta do seu interlocutor sobre o nome do remédio milagroso, o “potente vovô” sempre respondia que não tomava nenhum remédio e que levava uma vida sexual perfeitamente normal.

Invejoso de toda aquela potência sexual, o outro resolveu fazer um extenso interrogatório:

- De manhã, o que comes?

- Tomo café com leite e pão, respondeu-lhe.

- E no almoço, como te alimentas?, tornou a perguntar.

- Como arroz, feijão, carne, verduras e pão!, foi a resposta.

- E à noite, comes alguma coisa?, foi uma nova pergunta feita.

- Sim. À noite eu tomo uma sopinha, um caldo com pão!, foi a resposta.

Ainda sem entender a causa de tanta “força”, o outro fez mais uma última pergunta:

- E na hora em que vais dormir, o que fazes?

- Tomo uma xícara de chá com pão, respondeu.

O outro coçou a cabeça, ficou alguns segundos meditando e, após profundas reflexões, comentou baixinho, consigo mesmo, mas que eu consegui decifrar através do seu gesto labial. “Mistério decifrado! É o pão. Pão quatro vezes ao dia? Só pode ser o pão”.

Repentinamente se despediu do pai da criança, me cumprimentou rapidamente e em passos largos rumou em direção à Rua Dez, no Setor Dom Orione. Curioso, como um bom fofoqueiro que sou, decidi acompanhar os seus passos, embora guardando uma certa distância, para que ele não percebesse que estava sendo seguido. Chegando ao SUPERMERCADO CAMPELO, ele entrou apressadamente, passou pelas prateleiras e foi direto à panificadora, localizada na última seção, sendo atendido por uma jovem toda de branco, com um rosto angelical e bastante simpática, se não me falha a memória de nome Adriana, que fez a clássica pergunta:

- O que o senhor deseja?

- Quero vinte pães!, respondeu.

Enquanto a jovem ia colocando os pães no saco de papel, ele comentou que era um “maior abandonado”, que morava sozinho, e outras baboseiras mais, típicas de um velho babão quando vê menina nova.

Ao ouvir aquele comentário de que morava sozinho e que por certo os 20 pães seria só pra ele, a jovem atendente tentou ajudar comentando:

“Vai ficar duro!”.

E o “danadão” retrucou na ponta da língua: “Então, bota logo é cinquenta!”.
 
Link
Tags »
Leia Também »
Comentários »