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16/10/2021 às 00h00min - Atualizada em 16/10/2021 às 00h00min

Um telegrama desastroso

O vendedor de ovo de égua - Causo XVII

JAURO GURGEL

JAURO GURGEL

JAURO José Studart GURGEL, durante muitos anos Editor Regional de O PROGRESSO, em Araguaína (TO),

*Republicado a pedidos
**Publicado originalmente em 14 de dezembro de 2014

Atualmente, graças aos avanços tecnológicos, especialmente na área das telecomunicações, não há distância que separe os homens, pois todos os acontecimentos são noticiados para os quatro cantos do mundo, no exato momento em que o fato acontece. Quem não se lembra das “Torres Gêmeas”, assistido por todos os habitantes do universo, através da “telinha”? E, mais recentemente, a tragédia asiática provocada pelas ondas gigantes? Como sempre diz o meu amigo filósofo Zedis Krent: “O acolá de ontem é o aqui de hoje!”.

Na minha meninice, “ai que saudades que dá”!, as notícias até mesmo de um lugarejo para outro, distante a poucos metros, só eram conseguidas através de um mensageiro especialmente enviado, ou através de um telegrama, graças ao Código Morse. Este tipo de comunicação, por sinal caríssima, era cobrada por palavra, o que obrigava ao emitente e economizar o máximo do máximo das palavras. Os telegramas eram passados desta forma: “Fulano morreu”, ou “Viajo Amanhã”, e assim por diante.

Mas, embora não seja eu um conservador, um saudosista, confesso que guardo uma certa saudade do tempo de antigamente, quando havia um respeito aos costumes e às tradições, especialmente no aspecto familiar. Época em que namorávamos sentados na ponta de um sofá, com o pai e a mãe da namorada sentados no meio (ele, lendo um jornal ou a revista O Cruzeiro, e ela fazendo crochê) e a amada na outra ponta. Não poucas foram as vezes em que eu, com uma elevada dose de sem-vergonhice, fazia um gesto com as mãos, pedindo a namorada que levantasse um pouco a sua saia, permitindo assim que eu pudesse admirar o seu belíssimo “mocotó”.

Naquele tempo em que o tal soutien era chamado de “califon” ou porta-seio, em que a mulher usava combinação e anágua, além da calçola e a tradicional calcinha, a questão da virgindade era preocupante. Era bem ao contrário de hoje, quando a mulher até sente vergonha de dizer que ainda é vigem. Naquela época, se os pais soubessem que a filha tinha perdido a honra, que não era mais moça-donzela, seriam capazes das maiores atrocidades. Quantos e quantos jovens não foram “capados” por terem feito mal a uma jovem”. Bem diferente dos dias atuais. Hoje, se um rapaz respeita a namorada, pode ficar certo que o namoro não dura muito tempo. Ela rompe o namoro e ainda fica a comentar, com as colegas, que o motivo foi o fato do ex-namorado ser um “viado”.

E é justamente sobre estes dois temas, comunicação e virgindade, o causo agora narrado, acontecido no início da década de oitenta, entre 1982 e 1983, quando eu era professor do saudoso Colégio Integrado de Araguaína, que não me canso de repetir, o maior orgulho da área educacional do então norte goiano. Na época, o Colégio Integrado tinha um quadro de professores do mais alto nível, comprovado através das vitórias constantes e sucessivas dos seus ex-alunos nos exames vestibulares realizados em diversas universidades brasileiras.

Um certo dia fui eu procurado por uma então aluna do Colégio Integrado, hoje uma respeitabilíssima senhora da sociedade araguainense, que me pediu uma orientação para um gravíssimo problema que estava enfrentando. Disse-me ela, na época com 15 ou 16 anos, que o grande sonho da senhora sua mãe, residente na vizinha cidade de Xambioá, era lhe ver “formada” no Curso de Corte e Costura, que estava sendo promovido pelo SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, recém instalado em Araguaína, e que tinha como diretor o competente e brilhante advogado doutor Antonio Clementino Siqueira Silva. O problema da jovem era que ela tinha sido aprovada com louvor na parte da costura, entretanto fora reprovada na parte do corte. E não sabia ela como dar a triste notícia a sua mãe, que como citei acima morava na cidade de Xambioá.

Fiquei a raciocinar por alguns momentos em busca de uma solução para o problema, e como na residência da referida senhora não tinha telefone, e o envio de uma carta demoraria alguns dias até chegar a destinatária, aconselhei a jovem a passar um telegrama a sua mãe, comunicando-lhe da péssima notícia, e ao mesmo tempo anunciando que no mais curto especo de tempo estaria de volta a Xambioá, para passar alguns dias com a família. E para demonstrar a minha preocupação com o aspecto econômico tinha que ser o mais resumido possível, pois seria pago por palavra expressa. A jovem me disse que tinha entendido e que iria seguir minha orientação, passando um telegrama, bem minucioso dando a notícia a sua genitora.

Mas a emenda foi pior que o soneto. A jovem enviou para a sua mãe um telegrama desastroso, causando na pobre senhora, que sofria de hipertensão e problemas cardíacos, uma série de graves “catiripapos”, que por pouco, muito pouco, não a levou para o andar superior, como diria um certo colunista social. Felizmente, os médicos do antigo Hospital da OSEGO, onde a pobre senhora foi atendida, conseguiram “devolver” a vida da mesma, ficando ela alguns dias em repouso absoluto na casa da filha, causadora, embora de forma involuntária, da quase morte da mãe.

Ao saber pela então aluna que o princípio do infarto e do AVC da sua mãe ocorreu tão logo ela leu o telegrama recebido, não tive outra alternativa a não ser pedir o telegrama para eu mesmo ler o seu conteúdo. Como ser humano que sou, me senti bastante responsável pela situação daquela senhora, que sonhava tanto em ver a filha formada em Corte e Costura, que quase morreu ao saber da sua reprovação.

Mas, para minha surpresa e descarrego da minha consciência, lá estava escrito: “Mãe. Levei pau no corte. Parto breve”!.

Desnecessário  será dizer que a palavra “Parto” não foi entendida como retorno a Xambioá, mas sim como o surgimento de uma nova vida.
 
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