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19/08/2023 às 00h00min - Atualizada em 19/08/2023 às 00h00min

Caminhos por onde andei

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

A SAGA DE SEU NENÉM

Seu Neném era só Seu Neném. Ninguém o conhecia por qualquer outro nome. Dizia-se que teria vindo das bandas do Ceará. Ele mesmo falava com uma ponta de orgulho de que tinha um tal Zé do Rádio que seria a honra de sua parentalha e mais nada. Lavrador, vivia entocado, a serviço nas terras do Parazão. Setenta e tantos anos, duro danado. E morava com sua mulher, a Tonha e com um menino, o Toinho que se ufanava e dizia ser seu filho. Dava-lhe ordens e o menino obedecia prontamente. Nisso Seu Neném enchia-se de autoridade. Tinha um ciúme da peste de sua mulher, mas se ela fosse à qualquer lugar, fosse onde fosse, acompanhada de Toinho, estava tudo resolvido. Era como se Toinho fosse um férreo cinto de castidade.

Outra coisa: Sempre que a Tonha ia à cidade, sempre na “companha” de Toinho, Seu Neném liberava um frango e uma “sacola de arroz”, para fazer face à hospedagem. E nisso sentia-se desincumbido.

Seu Neném era um trabalhador de sol a sol. Morava nas terras do patrão. Empreitava plantios e com isso tinha o seu dinheirinho para as despesas da “cantina”. Também tinha suas crias de quintal. Seu Neném agradava aos olhos do patrão, por isso, acabava escolhendo as terras para a sua lavoura. Era quem tinha as melhores colheitas. Os outros, por mais que se esforçassem, não conseguiam a lavoura abastada que o Seu Neném conseguia. Acabaram “bispando” que Seu Neném plantava conforme a lua. “Plantava na lua”.

Os outros peões da fazenda, com uma ponta de inveja, passaram a copiá-lo, também plantando à mesma época e, colado a terras que velho também plantava. E... nada. Nenén  era o campeão da lavoura. Ninguém chegava ao seu rastro. O patrão olhava aquilo e cada vez mais punha fé em Seu Neném. E deixava-o à vontade para escolher as terras do seu plantio, ainda que fosse antes ou depois de todos os demais.

Surgiu naquele meio de mundo a notícia de que Tonha estava gestante. Ela não confirmava nem negava. Esquivava-se. Tonha, finalmente, acompanhada de Toinho foi ter o menino na cidade. Sim, mas numa outra cidade, contanto que deixou o nascituro por lá. Isso fazia parte do acordo com o marido. Logo depois, quando voltou, voltou com a cara mais limpa deste mundo – como se só tivesse ido passear por lá e mais nada.

E seu Neném levando na maciota e tirando de letras aquela situação. Ainda assim zombeteado e escarnecido pela peãozada da fazenda, no que ele se sentia ofendido, humilhado. E Tonha, um eterno desodorante vencido, tirando de letra e nem aí pra seu ninguém, tampouco pra as provocações da peãozada.

Deixa, porém, que na fazenda, no meio do mundo do Parazão, apareceu o AVELINO, um crioulo trabalhador, discreto que logo fez parceria de trabalho com Seu Neném. Uma dupla e tanta nos serviços do patrão! Os dois se deram tão bem que eram sócios meio a meio em qualquer “empeleita”.

E AVELINO ali, quieto e agasalhado naquela modesta choupana de palha, no meio do mundo, no Parazão, que era o casebre improvisado, coberto de cavacos, do Seu Neném. E quando dava dez do dia, durante a semana, debaixo daquele “solão quente danado” lá se vai Tonha, com uma bacia do frito e uma jarra de água fria.  Com uma só cajadada matava dois coelhos, pois servia ao marido e... ao companheiro do seu marido, ambos debaixo daquele solão quente danado. Uma mão na roda! E Avelino comendo tudo a que tinha direito.

Certo domingo, na fazenda matou-se um gado. AVELINO, estava no meio da prosa, junto com os demais. Todo mundo doido pra bater com a língua nos dentes, mas ninguém dizia nada. Sem mais demora apareceu seu Neném, assim um tanto enciumado, vendo o seu parceiro ali, naquela troça, em meio aos demais. E advertiu-lhe: “Olha, meio-dia, vai almoçar lá em casa”. Sim senhor, respondeu Avelino. E seu Neném, que bem sabia que no meio daquela peãozada não saía coisa boa, deu as costas e se mandou. Avelino também não se demorou.

Tempos depois, Tonha, aquele eterno desodorante vencido, deu de estar grávida. E foi aquela “saia justa” sem que ninguém dissesse nada, mas... todo o mundo desconfiando que aquele crioulo, o aventureiro desconhecido e hóspede da família, seria o pai da criança. E então num dia de domingo, ainda cedo da manhã, quando ninguém esperava, Avelino pegou seus quase nada, fez uma trouxa, “caminho do feio por onde veio” e oh!, a pé, capou o gato e desapareceu no Parazão, e nunca mais deu notícia.

Seu Neném e Tonha e Toinho, pouco depois pegaram o caminho, todos a pé e também desapareceram no céu aberto do Parazão, levando consigo todos os seus quase nada, inclusive as galinhas do terreiro. Mas até hoje, até hoje, imagina-se que AVELINO seria o pai da criança. Ora, mas que mal havia nisso? – conjecturavam as pessoas - se Tonha nunca abriu o bico e Seu Neném nunca demonstrou insatisfação ou incômodo para com Avelino, seu hóspede e parceiro nas tarefas do dia a dia!!!

* Viegas interpreta e questiona o social.
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