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15/07/2023 às 00h00min - Atualizada em 15/07/2023 às 00h00min

Caminhos por onde andei

CLEMENTE VIEGAS

CLEMENTE VIEGAS

O Doutor CLEMENTE VIEGAS é advogado, jornalista, cronista e... interpreta e questiona o social.

 

ERA MAIO DE 1973 

Era maio de 1973, faz 50 anos. Vivo de olho nessa data, ano pós ano, para não perder o fio da meada, também para não me perder no tempo. Foi quando cheguei por aqui. Cheguei por aqui aos trancos e barrancos. Estava na Rodoviária, na capital, no calor amargo pós-separação e pretendia seguir para Pedreiras-MA. O ônibus, demorou tanto que eu desisti da viagem de Pedreiras. Naquela tormentosa situação, na noite, na Rodoviária, na capital, imaginei ir para Caxias mas aí, novamente o ônibus continuou a demorar.

Já era dez horas e... nada de ônibus. Aí olhei para um grande painel das rotas de viagens da empresa que na época detinha quase todas as concessões de linhas de transporte rodoviário desta região e vi que em meio a vários outros roteiros, lá estava: IMPERATRIZ. Foi assim que de mera circunstância – mas está escrito que nada acontece por acaso - e já descartados dois destinos (Pedreiras e Caxias), acabei por optar por vir parar em IMPERATRIZ, de onde já ouvira falar apenas uma única vez.

Era por volta de onze da noite quando deixamos a Rodoviária, mas a desorganização da Empresa era tamanha que depois de longo percurso, tivemos que retornar à Garagem para o abastecimento do ônibus. A espera, a demora, o retorno, o stress, as indecisões, a desorganização, eram apenas os primeiros passos de uma sofrível viagem a um destino jamais imaginado. De São Luís para cá, foram enfim, 49 (quarenta e nove) horas de viagem, tal o sofrível estado da/s estrada/s e... do ônibus, a ponto de que era preciso descer para empurrá-lo nos atoleiros. E eu ali, bicho do mato, rumo a lugar incerto e não sabido e jamais imaginado. Tinha então, uma avassaldora sensação de quem caminhava para um degredo, tal o meu estado psicológico.

Superadas as 49 horas da desgastante viagem, chegamos enfim à famosa Imperatriz! O nome da cidade e tudo por aqui soavam forte! A Rodoviária, na época, ficava, no Entroncamento, no ponto zero de acesso à Av. Babaçulândia. E eu bicho do mato, perdido, angustiado e sofrido – trazia no bolso menos de um salário mínimo da época. Trazia também uma mala com poucas roupas, uma pequena máquina de escrever e, só mais tarde os meus poucos livros, estes que chegaram trazidos por um  irmão, que inaugurava ali uma entidade familiar  que sem mais demora se faria em cinco (05) irmãos.

Era maio de 1973. De cara eu pude ver que a cidade dispunha de um Jornal impresso via/tipografia manual. Era a alma e a veia do escriba em busca do seu espaço. E assim, manhã de sol, tomei banho, penteei os cabelos e fui falar com  SEU VIEIRA (de grata memória) dono do Jornal. E comecei a desfiar as margaridas. Disse-lhe que trazia uma breve experiência na comunicação, na capital: passei pelos diários: Jornal Pequeno, Jornal O Imparcial e Semanários: Cidade de Pinheiro e Jornal do Maranhão (da Igreja Católica). Além de um trânsito independente pela Rádio educadora.

SEU VIEIRA, mal me deixou terminar de desfiar as margaridas e já foi me aceitando como colaborador do seu Jornal. O insigne decano Jurivê de Macedo era então o Editor e escrevia a coluna “COMENTANDO OS FATOS”. Era a mola mestra do Jornal. Linha de frente em tudo. E eu passei então a escrever a Coluna VISÃO GERAL, um título que eu guardava a sete chaves e que a mim me prometi escrever quando um dia tivesse tal oportunidade. VISÃO GERAL deu bom e deu certo! Foi um vetor da minha realização pessoal.

Passado algum tempo,  rolou um zum-zum-zum pelos corredores de que o Jornal estaria à venda ou sendo vendido. Não deu outra! Da noite para o dia, quando O PROGRESSO já não era impresso na Tipografia mas via de máquina linotipo, SEU VIEIRA  vendeu o Jornal e os novos donos deram as caras. Enfim, o Jornal O PROGRESSO tinha novos donos e, portanto, nova direção. Eu, colaborador de oportunidade e das beiradas, logo... tremi na base. E pensei com os meus botões: posso ser rifado e sobrar na curva.
 
De começo, chegou então um NOVO EDITOR – um Jornalista de nomeada (in memória), com carta branca para dar nova feição editorial e outras ao Jornal “renascente” O PROGRESSO, um novo ar, uma nova concepção, uma nova dimensão. Enfim... um NOVO JORNAL. Ocorreu que numa certa tarde, estando aquele ilustre senhor, dono da situação, sentado à proa, na Secretaria do Jornal, fui a ele, apresentei-me em minha pessoalidade e estendi-lhe a última edição da coluna VISÃO GERAL. Este é um momento inesquecível! E ele do alto do seu reinado que ali se estabelecia, tomou do jornal e leu em sua totalidade a minha Coluna VISÃO GERAL. Ao término disse em bom som e bom tom, ao que me permito transcrever em maiúsculas:“JORNALISMO MODERNO É ISSO AÍ. VOCÊ NÃO PRECISA MUDAR EM NADA”.

E então fui para casa tranquilo! E dormi o sono dos justos! E imaginei que prosseguiria na minha Coluna com a NOVA GESTÃO DE O PROGRESSO. Ledo engano! No dia seguinte, ao voltar à redação fui surpreendido com um verbal “bilhete azul”. Vivi na alma o sentimento do “persona non grata”! E então, amuado e retrancado fiquei fora de O PROGRESSO, durante uns VINTE ANOS, embora tivesse comigo a LATENTE e latejante vontade de retornar aos meus exercícios de “escriba”, nas colunas deste “EXPRESSÃO REGIONAL.”

Nesse deserto de duas décadas, um dia ouvi uma pregação católica que mencionava sobre a PARÁBOLA DOS TALENTOS (Bíblia: Mateus 25, 14 a 30). E então me certifiquei de que estava “enterrando os meus talentos”. Sem mais demora, novamente, semelhante pregação e a PARÁBOLA DOS TALENTOS e senti duramente que eu estaria enterrando os meus talentos. Pela terceira oportunidade seguida quando me veio A PARÁBOLA DOS TALENTOS, tomei posse da PALAVRA, regacei as mangas e dirigi-me a O PROGRESSO. Depois de passar por dois editores que me fecharam as portas, falei com o então e até hoje editor Coriolano Filho. Agora faz mais de vinte anos que voltei às lides daquele “escriba”, cujos talentos se faziam soterrados. Agradeço ao editor Coló Filho que me reabriu as portas; à direção desta Empresa que me aceita e tolera e... a DEUS, NAS ALTURAS, magnânimo, que escreve certo por linhas tortas, na minha vida.

Escrevo essas memórias não porque o saiba, tampouco porque busque vanglória mas... porque gosto. Desperta minh’alma. Tenho vocação. Nessa vocação, por aqui Já tive VISÃO GERAL (um sonho de rapaz, colegial) mas se um dia tiver que me reinventar, vou escrever O OLHAR DO PÁSSARO SOBRE O GALHO. Enquanto isso, por aqui vou tocando estes... CAMINHOS POR ONDE ANDEI. Agora, quando o Jornal o PROGRESSO COMPLETA CINQUENTA E TRÊS ANOS, anos ainda posso sentir na mente, o cheiro de tinta e rever  o ambiente da  Tipografia do Seu Vieira, de onde brotava um jovem Jornal, então com quatro (03) anos de idade. Jornal e sua gente, seus fazedores - todos vibrantes, entusiastas, dinâmicos e cheios de ideias e ideais. Eu estava lá.  Não quero, não posso e não vou esquecer. Era maio de 1973.

* Viegas interpreta e questiona  o  social
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