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27/05/2023 às 00h00min - Atualizada em 27/05/2023 às 00h00min

Crônica da Cidade

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 

O lacrimoso choro de Deltan 

Não estou escrevendo por mim mesmo. Antes de mais nada, deve ser dito: ninguém escreve por si mesmo, uma vez que escrever exige, além do entusiasmo estético, que, na concepção de George Orwell, se evita o literalismo, que não é literatura. Ademais, nem todo texto – curto ou longo – é literatura, assim como nem todo poema contém poesia, embora seja estruturado com rima e métrica. Uma coisa é fazer da escrita a arte poética, portanto literária, outra é versejar, rimando amor com flor. O poeta Manuel Bandeira, que inovou a arte poética brasileira e influenciou toda uma geração – Poesia concreta, in Flauta de papel, 1958 -, já, de forma sucinta, afirmava que "todo grande verso é um poema completo dentro do poema”. E ele mesmo demonstra isso num dos seus poemas, Pneumotórax, no qual se destaca este belíssimo verso: “A vida inteira que podia ter sido e que não foi.”

Como afirmei no início dessa nossa conversa, não estou a escrever por mim mesmo. Faço uma coletânea do que se tem dito por aí. O que falaram jornalistas, historiadores, professores, advogados e outros tantos pensadores que não comungam com o autoritarismo fascista, que, em determinado momento da nossa história recente, se instalou em nossa Brasil verde e amarelo, sob o pretexto de combater a corrupção, porém em claro desrespeito às normas constitucionais, consubstanciadas no devido processo legal e na ampla defesa, ao transformar suposições em provas irrefutáveis e, como consequência, condenando seletivamente quem lhe aprouvesse politicamente, sob os aplausos da mídia conservadora e de muitos outros que adoram bajular o poder econômico dominante e militar.

Ronaldo Lima Lins, escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ, ao falar sobre a cassação do ex-procurador da República  Deltan Dallagnol, no texto publicado no Brasil247 - O outro lado da moeda -, assim se manifestou: “O caso Deltan Dallagnol salta aos olhos como um mau exemplo de político, entre aqueles que se superestimam, julgando-se espertos, e se revelam tolos, despreparados e ambiciosos. Depois de mil artimanhas, esforçando-se por convencer o mundo de que pareciam especiais, verificou-se banal nas invenções. A trajetória no Ministério Público já não o recomendava como alguém destinado à respeitabilidade. Havia usado da mídia como um prestidigitador, desrespeitando a lei, em claras manipulações que funcionaram a curto prazo, desmoralizando-se em seguida. Toda a maldade armada contra o Presidente Lula e os 580 dias na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, jogou areia nos olhos, incapaz de se firmar a longo prazo, quando a poeira baixou e se distinguiu a fragilidade das tramas.” O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido no meio forense por Kakay, manifestando-se no texto A vida dá, nega e tira, fez estas contundentes manifestações, que se originam da sua luta em defesa dos seus clientes, sempre cerceada por manobras do ex-procurador e ex-deputado federal, vassalo do antijuiz Moro, em vista da sua cassação pelo TSE: “O ministro relator, Benedito Gonçalves, foi no cerne da questão ao afirmar que Deltan fraudou a lei. Por sinal, fraude é a especialidade não só do Deltan, mas, também, do seu ex-chefe, Moro, e dos comparsas que compunham a tal força-tarefa de Curitiba. A essência desse grupo era exatamente a de manipular e corromper o sistema de Justiça, prender para extorquir e fazer o que fosse preciso para chegarem ao poder.” E, em seguida, disse mais ainda: “Em setembro de 2014, quando a Lava Jato estava engatinhando, impetrei um habeas corpus em nome do Alberto Youssef no Superior Tribunal de Justiça que poderia trancar a Operação. Deltan e companhia fraudaram a vontade do meu então cliente e o obrigaram a desistir do processo e a trocar de advogado.”

Como se deduz por essas declarações do advogado Kakay, essa turma da famigerada Lava Jato não tinha limites éticos, para impor o seu autoritarismo fascista e tirar proveitos pessoais, sobretudo na construção de uma carreira política lhes fosse lucrativa. Deltan, felizmente, até agora, deu com os burros nágua.

Paulo Henrique Arantes, jornalista, com mais de 30 anos de experiência, ao escrever o texto Deltan Dallagnol, o antiprocurador, traz estes esclarecimentos: “Procuradores e promotores, por determinação constitucional, devem estar comprometidos com a impessoalidade, valor que Dallagnol nunca prezou. Como escreveu há tempos Cláudio Barros Silva, ex-procurador-geral da Justiça do Rio Grande do Sul, ‘se o ato (do membro do Ministério Público) for ilegal ou revestido de interesse pessoal; se o ato for imoral ou desleal; se o ato for ineficiente ou desnecessário; se não for razoável ou lhe faltar objeto; ainda, se o ato praticado for parcial ou vinculado a um interesse menor, subjetivo, será sempre, o ato praticado, irregular, o que deporá contra os princípios que informam a instituição e que devem caracterizar a ação de seus membros’. O Power Point anti-Lula de Dallagnol foi o exemplo acabado de desvirtuamento de função. À época, em sessão da Segunda Turma do STF, o ministro Teori Zavascki assim se manifestou a respeito: ‘Nós todos tivemos a oportunidade de verificar um espetáculo midiático com forte divulgação que se fez lá em Curitiba (...). Essa espetacularização não é compatível nem com aquilo que foi objeto da denúncia nem parece compatível com a serenidade que se exige na apuração desses fatos’.” Nessas palavras de conteúdo irrefutável, deduz-se o quanto de abuso foi cometido, para alcançar objetivos escusos, agora vindo à ribalta pela própria mídia conservadora. Portanto, só não vê quem não quer.

O choro de Deltan despeja lágrima de sentimento duvidoso, teatral, sem nobreza. Realça um ser inumano que, sob o falso rótulo de paladino da justiça, tinha como único objetivo conquistar posições e ganhar muito dinheiro. Se ele queria ser paladino da justiça, por que pediu exoneração de um cargo tão importante, estável, onde plenamente cumpria o seu ideal de justiceiro? Por quê? No parlamento brasileiro, realizaria o seu ideal?

Concluo esta nossa conversa, com as palavras do jornalista Paulo Henrique Arantes: “Combater a corrupção é imprescindível, desde que dentro do Estado Democrático de Direito - e não foi assim que Deltan Dallagnol atuou à frente da Operação Lava Jato, como resta elucidado. À maneira de Dallagnol, não se fez justiça, mas justiçaria. A função do Ministério Público é ser o defensor da sociedade, da legalidade, e, portanto, é incompatível com personalidades como a do ex-procurador, hoje deputado cassado.” Do mesmo modo, deve ser dito: a polícia não combate crime apenas matando o infrator. E finalizo, citando o grande Nelson Rodrigues: “Por trás de todo paladino da moral, vive um canalha.”

* Membro da AML e AIL
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