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11/06/2022 às 00h00min - Atualizada em 11/06/2022 às 00h00min

Marbury vs. Madison

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal, na sua estudada e sempre citada obra Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 7. ed., Saraiva, São Paulo, 2016, p. 27, ao referir-se ao histórico caso Marbury versus Madison, se manifesta afirmando que “foi a primeira decisão na qual a Suprema Corte afirmou seu poder de exercer o controle de constitucionalidade, negando a aplicação de lei que, de acordo com sua interpretação, fossem inconstitucionais. Assinala-se, por relevante, que a Constituição não conferia a ela ou a qualquer outro órgão judicial, de modo explícito, competência dessa natureza. Ao julgar o caso, a Corte procurou demonstrar que a atribuição decorria logicamente do sistema. A argumentação desenvolvida por Marshall acerca da Supremacia da Constituição, da necessidade do judicial review e da competência do Judiciário na matéria é tida como primorosa. Mas não era pioneira nem original”. Com razão, nessa parte final, o ministro Luís Barroso, porquanto, em O Federalista, obra que reúne os artigos temáticos sobre constitucionalismo, de autoria de James Madison, Alexandre Hamilton e John Jay, já defendiam essa tese de que o Poder Judiciário deveria exercer o controle de constitucionalidade.

Nessa linha de racionalidade, Madison, Hamilton e Jay expunham esse entendimento, nesta passagem de O Federalista: “É muito mais sensato supor que os tribunais foram concebidos para ser um intermediário entre o povo e o legislativo, de modo a, entre outras coisas, manter este último dentro dos limites atribuídos ao seu poder. A interpretação das leis é o domínio próprio e particular dos tribunais. Uma Constituição é de fato uma lei fundamental, e como tal deve ser vista pelos juízes. Cabe a eles, portanto, definir seu significado tanto quanto o significado de qualquer ato particular procedente do corpo legislativo. Em outras palavras, a Constituição deve ser preferida ao estatuto, a intenção do povo, a intenção do povo à intenção de seus agentes.” E mais: o Judiciário não quer com isso dizer-se que é superior aos demais poderes. Mas “juízes... devem regular suas decisões pelas leis fundamentais, não pelas que não são fundamentais.” Plantam esses federalistas as primeiras fortes raízes do princípio da Supremacia da Constituição, o que faz com que o Estado de direito possa debelar qualquer ato contrário à ordem jurídica vigente, a partir da prevalência da Lei Fundamental, a Constituição.

O que foi o caso Marbury vs. Madison? Essa pergunta exige esclarecimento. E o faço, de forma resumida, porque, como afirmam os constitucionalistas, se tem, em razão do julgamento que se processou na Suprema Corte dos Estados Unidos, a origem do Controle de Constitucionalidade. Quem governava os Estados Unidos era o presidente John Adams, isso por volta de 1897 a 1800, ano em que foi realizada a eleição presidencial, saindo vitorioso o republicano Thomas Jefferson, que venceu o presidente Adams, candidato a reeleição. O partido dos federalistas foi fragorosamente derrotado, ao perder 22 cadeiras na Câmara dos Representantes.

O presidente John Adams, com essa derrota, decidiu manter a sua influência sobre o único poder, o Judiciário. Num passageiro resumo dos fatos históricos, altera o Judiciary Act de 1789; dobra o número de juízes federais, e cria outros cargos na magistratura americana, no que ficou conhecido como “Midnight Judges” (expressão que estudiosos apontam que o nome foi dado pelo fato de a nomeação ter sido no “apagar das luzes” do governo Adams; outros entendem que o fato recebeu este título por ter se dado às escuras, às escondidas). Por fim, o derrotado presidente americano decide nomear John Marshall, seu secretário de Estado, para o relevante cargo de Chief Justice (em síntese, o equivalente ao presidente do STF no Brasil).

Entre os juízes nomeados pelo derrotado Adams, estava William Marbury, indicado para juiz de Paz no Estado de Colúmbia. Ao assumir o cargo de presidente, Thomas Jefferson nomeou James Madison para Secretário de Estado. Madison observou que vários juízes indicados por Adams não haviam recebido a carta de nomeação. Resolveu cancelar essas indicações, entre as quais a de William Marbury, que, inconformado, foi à Suprema Corte e impetrou um Writ of Mandamus, espécie de mandado de segurança, contra Madison. John Marshall, indicado por Adams para Suprema Corte, como Chief Justice, sem declarar-se impedido, em razão de ter participado da criação do Judiciary Act, foi o julgador (juiz) inicial do caso.

Examinando o caso, John Marshall conclui que a Constituição norte-americana teria atribuído à Suprema Corte a competência originária para analisar todas as causas concernentes a embaixadores, ministros públicos e os cônsules, bem como as ações em que for parte um Estado. Nas demais causas, teria a Corte competência revisional, em grau de recurso. Firmado nesse entendimento, verificou haver um conflito de normas entre a Constituição dos EUA e a Seção 13 do Judiciary Act. Dessa conclusão decorre a questão principal: o que deve prevalecer: a carta constitucional ou uma lei federal? E concluiu: na hierarquia de leis, a Constituição detém a supremacia, e toda lei que a contrarie deve ser considerada nula. E decide pela inconstitucionalidade da Seção 13 do Judiciary Act, no ponto em que afrontava a Constituição. Dessa histórica decisão resultaram o princípio da Supremacia da Constituição e o controle de constitucionalidade, bem como a regra universal de que Juiz não serve a quem o indica, mas ao império do direito, emanado da Carta Magna, a Constituição.

* Membro da AML e AIL
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