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23/04/2022 às 00h00min - Atualizada em 23/04/2022 às 00h00min

A crise nossa de cada dia II

AURELIANO NETO

AURELIANO NETO

Doutor Manoel AURELIANO Ferreira NETO é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, e membro da AML e AIL - [email protected]

 
Uma das minhas crônicas (vamos dizer assim), iniciei com essas preocupantes palavras: “Temos que admitir, embora sem o querer, que nosso Brasil, a velha Terra de Santa Cruz, hoje ufanisticamente chamada de Pátria Amada, tem uma vocação para crise. Não sei se é uma vocação congênita, ou se foi adquirida no curso da sua história. O certo é que há sempre crises. E há crises e crises, a dependerem da sua abrangência e das suas vítimas. Venho a saber que, na crise da pandemia da Covid-19, os ricos, que eram milionários, conseguiram aumentar, ainda mais, a sua fortuna; e os pobres, pra seu azar, aumentaram a sua pobreza, passando boa parte dessa gente invisível à condição de miseráveis. Essa é uma dessas crises com preconceito classista, cujo desfecho deletério só atinge a turma de baixo, enquanto o pessoal do alto da pirâmide está rogando a Deus para que a pandemia continue, até porque, daqui do meu cantinho de isolamento, tenho me estarrecido com as notícias sobre as negociatas viróticas de compra superfaturada de vacinas, com o envolvimento de empresários, amigos do rei, aproveitando-se desse momento para enricar mais ainda, à custa do erário público.” A transcrição é literal.

A crise continua. Mas já não é mais apenas uma crise. Ora, vejamos. Enquanto o militar – general ou de qualquer patente – não entender que é militar, instituído para cumprir as leis emanadas do Poder Legislativo, e, entre essas, a maior delas, a Constituição Federal, a nossa cantada e decantada pátria amada será um país de golpes. De que adiantam as universidades brasileiras produzirem técnicos, mão-de-obra qualificada, se os postos civis, na sua maioria, estão sendo ocupados por militares. Tivemos, ainda recentemente, um general, ministro da saúde, que conseguiu ser pior que o vírus assassino. Um fiasco do tamanho do Brasil. E o pior: segundo dizem, vai canditar-se a um mandato eletivo e, com certeza, deve ser eleito, porque o nosso povo tem a triste mania do esquecimento. O exemplo está no Planalto. O capitão teve sete mandatos de deputado. No exercício de todos, foi um desastre no parlamento de nossa pátria amada. E os filhos seguiram a mesma carreira “vitoriosa”. Disso uma cruel verdade: vivemos em um país em que o cidadão e a cidadã não conseguem ter memória crítica, para escolha dos seus representantes, tanto para o executivo como para o legislativo. É uma realidade constrangedora.

O político esperto (com “s” mesmo) faz o que alguns fazem. Não usam ideias, até porque não as têm. Então, simplesmente, para angariar votos ou simpatia, põe placas em todo lugar para propagar a “ideia” de que está resolvendo os problemas do povo. Eleito, com o dinheiro dos ricos e o voto dos carentes e necessitados, exerce o mandato representando os interesses dos poderosos (os grandes empresários e as grandes empresas) e oferece aos segundos algumas míseras migalhas, sem lhes conceder o direito à saúde, à educação de qualidade e ao trabalho digno. Como exemplo, tem-se a famigerada reforma trabalhista, que atendeu apenas aos interesses dos patrões. E só.

Estarrecido, venho a saber que o ex-ministro do STF e ex tantas outras coisas, o político e jurista Nelson Jobim, tem consultado membros das Forças Armadas, generais e etc., para saber se Lula, eleito, terá algum problema de tomar posse.  Estranhíssima essa consulta, porque a Constituição Federal, gerada de um amplo debate de uma Assembleia Constituinte, diz que o presidente e vice-presidente, eleitos, tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Carta da República, além de observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil. Não consta qualquer ressalva, ainda que produto de uma interpretação da caserna, que a eleição presidencial e posse do eleito terão a garantia das Forças Armadas.

Pois bem. Em nossa gentil pátria amada, as coisas erradas ocorrem com a naturalidade como se fossem certas. O próprio capitão, por força de sua intemperança e despreparo, veio a público e disse que o general Villas Boas participou do golpe em favor da deposição da presidenta Dilma. E ficou por isso mesmo: o dito pelo dito.

Por essas e outras, é que a ciclista Luísa Lopes, de 24 anos de idade, no dia 15 deste mês, foi assassinada numa via pública. A arma usada: um veículo, dirigido por Adriana Felisberta Pereira, que se encontrava completamente bêbada. O que disse a assassina bêbada, ao justificar a sua crueldade no volante: “Eu tenho (consciência do que acabou de provocar). Quero meu carro pra trabalhar e olha como meu carro está.” E mais: que estourou a cabeça de Luísa, porque esta teve a desdita de passar na sua frente. E pronto! Até agora, ficou o dito pelo dito. Conclusão óbvia: implantou-se no Brasil a cultura do desrespeito, a partir do capitão a desafiar o STF, o TSE e ministros e juízes, que têm a função de dizer o direito. E agora, concede ao amigo a graça ou o indulto individual, recorrendo a uma prerrogativa constitucional, num grave desvio de sua função pública. Esta é a regra, a ser seguida de ora em diante, ou é a efetivação do golpe?

* Membro da AML e AIL
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