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06/06/2021 às 17h39min - Atualizada em 06/06/2021 às 17h39min

De escorpiões e hienas

Carlos Nina
Se um novelista dos mais talentosos - ainda que inspirado pelas visões estéticas de Salvador Dali e estimulado pelos alucinógenos mais eficientes - quisesse descrever o presente, jamais imaginaria uma obra em que corruptos contumazes fossem investigadores oficiais para apurar fatos de interesse da sociedade.
 
Se tivesse tal capacidade, não chegaria ao desplante de retirar do foco da investigação desvios de recursos públicos, para atacar opiniões divergentes. Quem, porém, conhecesse a história e assistisse a tal enredo, não diria que isso seria coisa de novela;  nem se surpreenderia, diante do tamanho da desfaçatez daqueles que se valem de brechas do ordenamento jurídico que eles mesmos constroem e de relações promíscuas com que se mantêm no Poder, protegendo-se uns aos outros.
 
Nenhum escritor criaria uma história de corrupção como essa porque teria de referir-se a incontáveis tipos penais, pois os personagens trafegam com desenvoltura no vasto leque da previsão legal, com predileção para aqueles que conceituam desvios de verbas públicas. Como se não bastasse apenas corromper e corromper-se, têm necessidade de ir além. Trocar de posição. De bandido, virar mocinho. Tentar transformar pessoas decentes em réus. Seria inacreditável se não fosse onde é e se fossem outras as pessoas.
 
Aristóteles não fez do homem um animal (ser) social. Apenas constatou isso. A evolução dessa necessidade e realidade gregárias culminou na idealização do estado, tratado por Maquiavel, Bodin, Hobbes, Rousseau, Locke, Kant, Kelsen, dentre outros, com a finalidade de que as pessoas pudessem se organizar e administrar-se. Para tanto, Montesquieu contribuiu com sua proposta de tripartição dos poderes: Legislativo, pelo qual o “povo”, por seus “representantes”, elaborariam as leis da própria convivência; o Executivo, para gerenciar o Estado; o Judiciário, para dirimir os conflitos entre as pessoas.
 
A presunção era de que aqueles que viessem a exercer as funções de tais poderes se pautassem pelas normas vigentes. Se as violassem, deveriam ser punidos, obviamente, pois a lei deve ser para todos, assim diziam os doutrinadores. Se, porém, os criminosos tomam conta dos poderes, os inimigos passam a ser os cidadãos de bem, aqueles que não se deixam cooptar ou seduzir pelos esquemas de corrupção dominantes.
 
Por coerência, portanto, o Estado não pode, para punir, violar ele próprio as normas do ordenamento jurídico nas quais está supostamente enquadrando alguém. Ou seja, delegado de polícia, promotor de justiça, juiz de direito, advogado, parlamentar, no exercício do direito de interrogar alguém, não deveriam, eles próprios, em razão desse direito, violar o direito alheio, quer seja na oitiva de perito, testemunha ou mesmo acusado.
   
Num Estado, porém, em que o crime organizado é quem elabora as normas e quem as interpreta, não deveriam causar surpresa os delírios da estupidez dos malfeitores. Esperar que agissem de forma diferente é pensar como o sapo, que acreditou no escorpião quando este lhe pediu carona para atravessar o lago e prometeu não o ferroar, pois morreria também. No meio do lago, o escorpião ferroou o sapo e esclareceu, diante da surpresa assustadora de que foi acometido o batráquio – É da minha natureza!
 
Não se tem notícia de que na fábula o escorpião sorri. No mundo real, o escorpião parece uma hiena, rindo de sua própria maldade, em êxtase desrespeitoso, não só para com aqueles a quem deveria interrogar com respeito, mas para com todas as pessoas decentes, pois presenciam atitudes destituídas do mínimo de educação por parte de quem deveria ter conduta revestida de dignidade e honra.
 
Isso, porém, é absolutamente impossível, pois não têm nenhum pudor. Sua natureza é avessa a valores morais, éticos e legais. Se alhures ser pego com a mão no cofre público é vergonhoso, na terra das hienas isso é mérito, revigora a audácia e confere até poderes para intimidar e ameaçar pessoas decentes. Tentar humilhá-las. Mas não conseguem. Não têm estatura moral para isso. Sua qualificação é a da sordidez e da canalhice. Tentam desqualificar aqueles aos quais não alcançam, com interrupções indevidas, ofensas e agressões gratuitas, sem se darem conta, no lamaçal da impunidade em que vivem, do papel ridículo que fazem.
 
Reagem irritados à voz serena do equilíbrio, com os únicos “argumentos” que têm: gritaria e  ofensa. Mal-educados, desinformados, autoritários e – pior - covardes, excitam-se provocando náuseas e nojo. Só não conseguem é mudar a realidade da qual eles não têm nenhuma dúvida: são corruptos, criminosos. Tentam destruir a boa reputação de quem a tem, por que a única que possuem é a de ladrões. Sabem que não adianta tentar parecer mocinhos. São bandidos. E assim morrerão. É o legado que optaram por deixar para seus filhos.

 
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