Persistência e constância são palavras-chave para alcançar a nota máxima na prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020. A dica é da estudante brasiliense Isabela Saraiva, responsável por uma das 28 redações que atingiram esse patamar. Entre os alunos com nota mil, 71,4% são mulheres.
A pandemia de covid-19 e o impacto no sistema de ensino mudaram a rotina diária de 12h de estudos de Isabela. Para alcançar a excelência na prova, a estudante precisou se adaptar para manter o foco e não perder o estímulo.
“Trazer a rotina de estudos para dentro de casa de tornou um desafio muito grande, pois essa nunca havia sido a minha realidade: desde o Ensino Médio, eu estudava fora de casa, tanto no período da manhã (na escola), quanto no período da tarde (no cursinho preparatório para o PAS). Com isso, minha rotina teve que mudar bastante. Mesmo que eu tentasse manter os horários de antes, estar em casa proporcionava confortos que antes eu não teria. E estudar é exatamente sair da zona de conforto. Então lidar com esse paradoxo foi bem difícil”, conta a estudante.
De acordo com Isabela, a rotina exigia uma redação por semana, e, às vezes, duas, quando tinha simulados. No entanto, as dificuldades quase fizeram com que a futura estudante de medicina desistisse de fazer a prova.
As dificuldades impostas pela pandemia de covid-19 também não afastaram o sonho da jovem estudante de Belém do Pará, Sofia Lorenzoni Vale, 19 anos, em alcançar uma vaga no curso de medicina. Para atingir a nota 1000 na redação, a estudante conta que o diferencial foi criar o hábito de produzir textos associado à leitura.
“O que eu considero que fez a diferença foi produzir textos com frequência, prestando muita atenção na correção dos professores e cronometrando o tempo. Além disso, selecionar bastante repertório sociocultural ao longo do ano foi muito importante”, disse Sofia.
“Acho que durante uns quatro meses foi exclusivamente online, o que não foi muito bom. Mas depois o cursinho passou a funcionar por rodízio: eu ia uma semana e fica outra em casa, foi assim até a prova do Enem. Porque aprender virtualmente nunca é a mesma coisa que presencialmente. A concentração, a motivação e o feedback dos alunos ficam prejudicados”, avaliou.
Com 26 anos de bagagem em sala de aula, a professora paraense Nicinha Câmara pode ser considerada uma especialista em ajudar estudantes a alcançarem a nota máxima na redação Enem. Ao todo, sete de seus alunos já obtiveram nota mil na prova. Entre eles, está a Sofia.
Pelo sétimo ano, a professora Nicinha tem um aluno com nota máxima no exame. Para ela, a dedicação e o aprimoramento são fundamentais para a excelência nas provas de redação.
"Nosso sistema de ensino leva o aluno buscar sempre se aperfeiçoar. Então, ele produz o texto, mas se o texto não estiver satisfatório, ele precisa reproduzi-lo. Isso acontece tanto nas aulas presenciais quanto nas aulas remotas. Os nossos estudantes buscam o aprimoramento. Escrever é aprimora-se", explica.
Na edição 2020 do ENEM, a organização da prova definiu dois temas, “O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira” na edição impressa e "O desafio de reduzir as desigualdades entre as regiões do Brasil" na edição digital. Na reaplicação da prova, o assunto escolhido foi "A falta de empatia nas relações sociais no Brasil".
Para a professora Nicinha, o pior resultado global na redação desde 2013 é fruto da alta abstenção na prova. O segundo dia de aplicação do Enem 2020 teve 55,3% de faltas, abstenção recorde de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
"Esse número representa, na verdade, uma proporcionalidade porque este foi um ano em que muitos candidatos se inscreveram, mas muitos não fizeram a prova. Então, acredito que [o baixo número de alunos com nota máxima] não tenha sido impactado pela pandemia e sim pela desistência. Ou seja, menos alunos fizeram a prova, então [temos] uma quantidade menor de notas mil", avaliou. “Foram mais de 55% dos candidatos que não fizeram a prova, lembrando que em 2019 foram 53 candidatos que obtiveram nota mil e esse ano, [com] 28, então acredito que foi proporcional”, acrescentou.
No total, foram corrigidos 2.723.583 textos dos participantes do exame, dos quais 87.567 zeraram a prova de redação. A redação foi a parte da avaliação que teve melhor nota entre todas, com média de 588,74.
Professora há mais de 20 anos, Andrea Ramal, avalia que o alto índice de alunos que zeraram a prova pode ter sido impactado pelos desdobramentos da pandemia de covid-19.
“A pandemia, a quarentena e o fechamento das escolas foram pontos que, com certeza, impactaram o baixo desempenho dos alunos nas provas do Enem. Os estudantes enfrentaram inúmeras dificuldades com a falta de acesso aos conteúdos ministrados nas aulas online. Os alunos aprenderam menos do que poderiam e menos do que deveriam”, afirmou a educadora.
Na avaliação da professora, o fechando das escolas, falta de rotina diária e as dificuldades com o sistema de aulas online têm sido os principais contratempos enfrentados pelos alunos.
“Sem dúvida o fechamento das escolas e a falta de acesso aos conteúdos ministrados nas aulas online foram os principais desafios encontrados pelos estudantes. Muitos alunos também sentiram dificuldades em estabelecer e organizar uma rotina diária de estudos em casa. Há alunos que não têm internet boa ou computador, ou só têm um computador para a família toda, ou não têm ambiente em casa para estudar”, explicou.
A perspectiva de Andrea Ramal é que as dificuldades dos estudantes permaneçam ao longo deste ano. Para a professora, o período pode acarretar impactos na aprendizagem de crianças e adolescentes.
“Os estudantes estão convivendo com a incerteza com momentos de fechamento e abertura das escolas e isso traz sérios impactos na aprendizagem. O que pesa mais é o lado psicológico. Sabemos, a partir de estudos da área de neurociência, que você só aprende com motivação e, a longo prazo, quando mexe com a emoção. E acho que não estamos conseguindo ter isso nesta pandemia. Existe o risco de o jovem não querer voltar a estudar. No Brasil, em especial nas escolas públicas, há muita evasão no ensino médio. Precisamos dar a máxima atenção a esse grave problema”, argumentou.