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02/04/2021 às 00h00min - Atualizada em 02/04/2021 às 00h00min

E aí, Paraíba?

Baseado num fato real

Elson Araújo
Esse negócio de apelidar os outros, muitas vezes, costuma não terminar bem. Tem uns apelidos que surgem ainda na infância, quase todos terminados com “inho ou inha”, que soam até simpático. Têm uma certa veia de carinho. O nome do meu pai, por exemplo, era José Maria, mas passou a vida sendo o Zuzinha. O apelido nunca lhe incomodou, porém tem uns que, mesmo gerados na infância, não agradam; principalmente quando é utilizada para ofender. A coisa piora quando o apelido chega com uma “pegada racista”.

O caso que conto, a seguir, ilustra muito bem o que digo. Aconteceu assim:

Era dia de domingo, desses de sol forte. O restaurante estava cheio de gente. Uns tomando cerveja, falando alto esperando a comida chegar, outros, mesmo naquela muvuca lendo jornal. Naquele dia o carioca tinha tirado o pacato Ribamar para “Cristo”. Começou assim que chegou ao trabalho.

- E ai, Paraíba, é verdade que o povo do teu Estado é preguiçoso?”

Ribamar calado estava, calado ficou.

O maranhense José de Ribamar Pina chega ao Rio de Janeiro no final da década de 1970. Era de uma pequena cidade da região central do Maranhão, e assim como outros colegas da sua idade, havia deixado seu torrão natal atrás de uma vida melhor. Não quis saber de São Paulo, como o seu melhor amigo, o Chico do Zé da Venda; escolheu mesmo foi o Rio. Ele tinha o sonho de acompanhar uma partida do “Mengão" no Maracanã

Com a ajuda de um parente o Riba arrumou serviço de garçom num restaurante conhecido no centro da capital fluminense.  No local, também trabalhavam outros tantos nordestinos como ele. Tinham algo em comum: todos eram chamados de Paraíba.

Paraíba era um termo pejorativo que os cariocas tratavam os nordestinos que chegavam ao Rio fosse para trabalhar, ou simplesmente para passear. Poderia significar qualquer coisa menos um epíteto que exaltasse a figura do guerreiro povo do Nordeste brasileiro. Era puro preconceito mesmo. Ribamar percebeu logo isso e não gostou. Sempre que alguém o chamava de Paraíba ele retrucava:

- “Meu nome é Ribamar. Sou do Maranhão!”

Alguns colegas viram que ele ficava muito sério e nervoso quando rebatia o apelido de Paraíba e recuaram.  Passaram a chamá-lo mesmo pelo nome de batismo. Só que teve um que não gostava dele que continuou com a mesma ingrisia. Nada fazia chamá-lo pelo nome.  Surgiu ali um clima explícito de animosidade entre o maranhense e o carioca.

Ribamar era um boa praça. Muito trabalhador, respeitava a todos, e também queria ser respeitado. Sabia que ser chamado de Paraíba era ser classificado como sub-raça, figura inferior. Não gostava de jeito nenhum de ser tratado daquela maneira.

Queria acabar com os assédios daquele carioca que teimava em tratá-lo como um "Zé Ninguém”

 - Ei, Paraíba, tu veio pra cá foi pra matar tua fome, não foi? - gritou o carioca caindo em risadas.

Ribamar calado estava, calado ficou.

Mesmo indignado, tentava se segurar. Às vezes, conforme um amigo comum, até rezava.

Meio dia em ponto. Ribamar estava na cozinha se preparando para atender a um cliente que havia pedido uma carne de sol, quando o carioca chegou perto dele e gritou.

- Anda logo Paraíba, preguiçoso. O cliente tá esperando!

Foi a última vez que o carioca fazia galhofa do maranhense Ribamar: caiu mortinho com uma facada dada por ele bem em cima do coração.

O Riba deixou para trás tudo que tinha planejado. Conseguiu fugir do local do crime e com ajuda de um parente deixou o Rio de Janeiro. Voltou para sua terra natal. Já idoso, quando lembra com alguém mais chegado tudo que se passou, termina sempre dizendo: “meu único lamento foi não ter tido tempo de ver meu mengão jogar no Maracanã”.
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